A ORIGEM DOS MARRANOS:
A Conversão forçada
Em 1495, D. Manuel I assumiu o trono português e concedeu liberdade aos judeus castelhanos que haviam sido escravizados. Entretanto, em função de sua promoção política, decidiu casar-se com a princesa Isabel, filha dos reis católicos. No contrato de casamento figurava a perversa cláusula que exigia a expulsão dos hereges (judeus e mouros) de Portugal e que foi a causa primeira dos grandes mal a que os judeus foram submetidos em terras portuguesas.
Expulsá-los o rei não podia, pois isso acarretaria um desastre econômico, com a fuga de capitais e expertise. Tentou-se por cartas convencer a princesa Isabel do contrário, mas sem sucesso. Assim, em “cinco de dezembro de 1496”, foi assinado por D. Manuel I o decreto de expulsão dos incrédulos mouros e judeus de Portugal, com prazo limite até 31 de Outubro de 1497. Aos judeus, sob punição de morte e confisco de bens, foi dada a opção do desterro ou da conversão, esperando-se que estes cedessem ao batismo. O rei promulgou também a lei que proibia indagações sobre as crenças dos novos convertidos, como que para permitir aos judeus a conversão superficial, ou cripto-judaísmo.
Contudo, não houve uma grande procura por batismos, ao contrário os judeus se preparavam para abandonar o Reino, em sua sina errante. Todos, ao mesmo tempo, buscaram se desfizer de seus bens, o que ocasionou uma desvalorização instantânea de bens imobiliários, como residências e fazendas.
D. Manuel, percebendo que os judeus prefeririam deixar o Reino ao invés da fé mosaica, e para impossibilitar a emigração destes, ordenou que se fechassem todos os portos portugueses, exceto o porto de Lisboa. Isto ocasionou enorme concentração de membros da nação judaica na capital portuguesa.
Em abril de 1497, foi dada a ordem de seqüestro dos filhos menores de 14 anos daqueles que, relutantes à conversão ao catolicismo, preferissem sair do reino. Essas crianças judias deveriam ser distribuídas pelas cidades e aldeias, para serem batizadas e criadas como católicas por famílias católicas. O historiador Flávio Mendes de Carvalho descreve a situação promovida após esta ordem: “Quando a notícia deste decreto transpirou entre o povo banido, o terror grassou por todos os pontos do país. Gritos de mães, de cujos braços arrancavam os filhos; gemidos e desespero de pais e irmãos; reações e lutas dos mais fortes e audaciosos; lágrimas e inúteis súplicas dos mais fracos e tímidos transformavam o reino português no cenário de um drama diabólico.” (Raízes Judaicas no Brasil, p. 18) Depois se incluiu no decreto também os menores de 20 anos.
Uns optaram por converter-se, para não terem suas famílias despedaçadas. Muitos pais, sem esperança e desesperados, preferiram matar seus filhos e em seguida se suicidarem, ao invés de entregá-los aos oficiais do rei, para a apostasia. Algumas crianças foram sufocadas pelos pais num abraço de adeus, outras foram atiradas em poços. Grande parte dos judeus foi vítima da violência, tendo seus filhos raptados e levados ao batismo para serem em seguida distribuídos entre a população católica. A situação produzida foi tão terrível que, mesmo trinta anos depois, o ocorrido ainda povoava a memória do velho Bispo Coutinho: “Eu vi muitas pessoas serem arrastadas pelos cabelos à pia batismal. Vi pais, cujas cabeças estavam cobertas, em sinal de dor e luto, levando seus filhos ao batismo, protestando e invocando a Deus por testemunha de que eles desejavam morrer juntos na Lei de Moisés. Ainda muitas coisas terríveis lhes foram feitas e eu testemunhei com meus próprios olhos.”
Decreto da Conversão forçada
Em Outubro de 1497, aglomerados em Lisboa se encontravam mais de 20 mil indivíduos da nação hebréia, sob a ilusão – alimentada pelo rei – de que lá obteriam navios e mantimentos para saírem de Portugal. Ali, a ‘gente miúda’, encabeçada por clérigos fanáticos e protegida por oficiais do rei, forçaria também ao batismo os homens, mulheres e velhos judeus. Depois de violentar a juventude, foi dito aos judeus que seus filhos já em cristãos se haviam convertido e que, se quisessem viver em sua companhia, assim também deviam fazer. Como não se abalaram o rei lhes mandou tirar o comer e o beber por 34 dias contínuos e usar com eles a mesma violência que havia usado com seus filhos, a conversão forçada: agora era a vez dos adultos e velhos. Aos resistentes lhes golpeavam a cabeça e arrastavam-nos a pia batismal.
Se deram assim os chamados batismos em massa, reproduzidos em várias partes do Reino, e que fizeram cristãos a todos os judeus que não puderam abandonar Portugal.
Consumado o seu desumano plano de expulsar os judeus, mas mantê-los no Reino pela conversão, D. Manuel poderia então informar a princesa Isabel de Espanha que já não mais havia hereges em Portugal.
O batismo forçado, no entanto, trouxe a heresia para dentro do catolicismo, não só porque os cristãos novos continuaram a ser vistos como judeus, mas porque passaram a praticar o judaísmo no segredo de seus lares, mesmo que professando publicamente a fé católica. Surgiram assim os chamados marranos ou cripto-judeus. Isso fez com que aumentasse ainda mais o ódio ao judeu, agora converso, e com que eclodissem vários assédios aos cristãos novos, dentre eles o Massacre de 1506 em Lisboa.
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