Quem é judeu?
Uma polêmica. Quem é judeu?
Em teoria, fazendo uma generalização, por vezes imprecisa, mas de acordo com a lei judaica (Halachá), seria todo filho de mãe judaica, que passasse pelo ritual da circuncisão (Brit Milá). Isso o colocaria no pacto de Abraão que simboliza sua pertinência ao povo judeu. Isso não exime o judeu de outros dois aspectos fundamentais: o conhecimento da Lei (Torá) e a prática dos preceitos (mitzvot), que são o tripé básico do Judaísmo, de maneira simplificada: Brit (Pacto), Torá (Lei) e Mitzvot (Preceitos). Não creio que nenhum rabino ortodoxo, ou liberal, reformista ou conservador se oponha em princípio a esta definição básica. Alguns rabinos ou pensadores podem derivar desta conceituação, algumas condições e preceitos e complementá-la com argumentos e detalhes.
Porém a pergunta que se faz é a seguinte: quantos de nós podemos ser considerados judeus segundo esta definição “básica”. Quem conhece de maneira sucinta e simplificada a Lei (Torá) e pratica de alguma maneira os preceitos (mitzvot), seja numa versão ortodoxa ou neo-ortodoxa, seja de uma maneira liberal ou conservadora? Ou seja, deixamos de ser judeus, apesar de sermos filhos de mães judias e sermos circuncidados (os homens judeus, obviamente)? Ser ou não ser, eis a questão.
Viajemos na história. Reflitam comigo e ousem pensar sem preconceito.
Nosso primeiro exemplo vem da Idade Média, na Europa Ocidental. No período das Cruzadas (1096 a 1250) em países como a França e a Alemanha (1ª Cruzada) e na Inglaterra (3ª Cruzada) judeus são colocados entre e espada e a cruz: converter ou morrer. A grande maioria opta por morrer em Santificação do Nome Divino (Al Kidush HaShem). Uma minoria opta pela conversão. Isso se explica pela pouca integração dos judeus no meio em que viviam. Ser judeu ou morrer. São os mártires das Cruzadas. Isso está descrito no último livro editado por meu mestre e orientador Nachman Falbel. Na seqüência vemos outro fato ocorrer, mas de maneira diferente, no sul da Europa.
Após alguns séculos de vida judaica na Península Ibérica, já no século XIV, se configura o inicio de uma prolongada crise. Em 1391, estala em Sevilha um violento pogrom antijudaico, deflagrado por um frei. Este se espalha por toda a Espanha atual (na época reinos de Castela e Aragão), menos em Portugal aonde o rei protege os judeus. O resultado desta violência foi surpreendente: um elevado número de judeus optou por se converter ao Cristianismo, ao invés de morrer em “Santificação do Nome Divino” (Al Kidush HaShem). Isso devido ao fato dos judeus ibéricos serem muito integrados ao meio em que viviam e a crença de que após a crise poderiam retornar à sua fé ancestral. Surge um grupo numericamente grande de “cristãos novos”. Alguns judeus, não chegam a ser convertidos à força e conseguem permanecer judeus; alguns (minoria) preferem morrer sem profanar a fé de seus ancestrais. Entre 1391 e 1492, convivem nos reinos ibéricos alguns grupos étnico-religiosos: cristãos velhos, cristãos novos, judeus e muçulmanos. A convivência por vezes se torna tensa. Inúmeras campanhas tentam converter os judeus ao catolicismo. Os cristãos novos são discriminados em Toledo (1449) pelo estatuto de pureza de sangue. Trata-se de um antecessor ibérico das leis racistas que surgirão no século XX. Os cristãos novos são proibidos de exercer determinados cargos, de cobrar os impostos reais e de ter poder sobre a casta dos nobres e burgueses cristãos velhos. Trata-se de uma lei racista que exclui cristão e os discrimina pela sua pretensa origem “judaica”. Paira sobre os cristãos novos a mesma desconfiança que os judeus sofriam. Uma continuidade do preconceito, com os recém convertidos e uma restrição “racial” (numa época que este conceito ainda não existe!), aos descendentes de judeus.
Há alguns cristãos novos que se integram à nova fé, e tratam de mostrar que são fiéis e confiáveis. Há diversos cristãos novos que se dedicam a carreiras eclesiásticas, se tornando monges, padres e bispos. São por vezes fervorosos, talvez até para mostrar sua fidelidade.
Uma minoria dos convertidos opta por seguir praticando as escondidas a crença de seus ancestrais judeus: surge o cripto-judaísmo ou marranismo. Este grupo vive sob o risco de ser acusado de apostasia ou de heresia, algo inaceitável sob a ótica católica. Uma vez batizado, mesmo contra a vontade, não há retorno ao fiel. Um cristão (católico) nunca poderia abandonar a sua fé. Nestes casos, havia o risco de ser condenado por um tribunal inquisitorial que poderia levá-lo à fogueira. Isso não tardou em ocorrer. Os Reis Católicos (Fernando de Aragão e Isabel de Castela) instauram a Inquisição em seus domínios, na segunda metade do século XV (c. 1476) e começam a inquirir e condenar inúmeros cripto-judeus. Já não são judeus, pois a Inquisição não poderia julgar infiéis judeus, mas sim cristãos heréticos. Pelo catolicismo, são cristãos e são julgados por apostasia e heterodoxia. Pelo judaísmo, não são mais judeus, já que se converteram ao catolicismo, participaram da missa, e dos sacramentos. Geralmente não eram circuncidados e portanto não realizaram o Brit Milá, não sendo membros do Pacto, ou seja judeus.
Morrem na fogueira por crime de heresia judaizante: são cristãos que realizam rituais judaicos, herdados de seus ancestrais que foram judeus. Nem em termos judaicos e nem em termos cristãos, podem ser chamados de judeus. Mas fica a sensação de que morrem em “Kidush HaShem”, da mesma maneira que os judeus vitimados durante as Cruzadas. A minha lógica fica estreita e minha razão se atrofia quando penso que morreram como judeus, mesmo sem serem considerados assim, nem pelos membros do Pacto de Abraão e tampouco pelos seus algozes da Inquisição. Morreram por professar um certo tipo de Judaísmo. O que você acha? Seria uma maneira de “ser” judaica, em pessoas legalmente não judias? Seria “Kidush HaShem”? Os judaizantes não seriam judeus?
Passemos ao século XIX e XX. Surge o Racismo Europeu, na esteira da expansão colonial. Distorcendo a teoria de Charles Darwin e inserindo nesta a semente do nacionalismo europeu do século XIX, com uma forte dose de preconceito aos povos “não europeus”, incultos e inferiores. Buscando justificar a ocupação colonial da África e da Ásia, pelos caucasianos (leia-se brancos europeus), que buscavam mercados consumidores e matérias-primas para a expansão da Revolução Industrial. Assim, na esteira da expansão industrial européia se consolida um preconceito aos “outros” que será adotado pela teoria racial nazista. Os judeus são vistos por muitos europeus como asiáticos, infiltrados no seio da população européia. Uma espécie de figura “non grata”, um paria racial que contaminava a pureza ariana. Mas muitos judeus se integram e se afastam de suas raízes. Casam com não-judeus e se convertem ao cristianismo. Outros se tornam socialistas e cosmopolitas e deixam de ser judeus. De diversas maneiras tratam de se integrar numa sociedade que os vê como infiltrados, estranhos e “não europeus”. Esses judeus que abandonam sua identidade serão apanhados por uma “armadilha da História” tal como os judaizantes da Península Ibérica, o foram.
Em 1933, ascende ao poder o Nacional Socialismo (Nazismo), na Alemanha. No seu ideário político o mito ariano tem papel fundamental. A pureza racial é almejada para fortalecer uma política de fortalecimento do Reich alemão. Os arianos seriam os “senhores do futuro” e construtores do Império Alemão: o Reich de Mil Anos. Os judeus deveriam ser escravizados e eliminados. Mas e os judeus que haviam se convertido? E os meio judeus? E os que tinham um quarto de sangue judaico? Cria-se o conceito de Mischlinge. Seriam meio judeus.
As Leis de Nuremberg (1935) excluem os judeus de direitos de cidadania e apontam uma categoria diferenciada para os que fossem um quarto, metade ou três quartos judeus. Muitos são discriminados, excluídos de direitos e por vezes exterminados. Outros são integrados ao exercito ou a grupos de elite, sendo provados em sua fidelidade e lealdade ao Reich. Um destino diferente perseguiu alguns. De acordo com a vontade de Himmler, ora eram levados aos campos, ora eram aproveitados no esforço de guerra nazista. Quase todos já não se consideravam judeus: eram por vezes netos de um judeu e três arianos. Ora eram netos de dois avós judeus, mas de outros dois avós não judeus (arianos) e ambos os pais não professavam o judaísmo. Muitos foram mandados as câmaras de gás, como se fossem judeus, mesmo se fossem filhos de mães não-judias, mesmo se não fossem circuncidados e não se identificassem como judeus. Não praticavam o judaísmo e não eram judeus de acordo a Lei (Halachá). Mas morreram como judeus e por terem sangue judaico. Como analisar estas mortes?
A nossa análise pode se prolongar. Mas não queremos gerar conclusões e certezas. Neste momento preferimos gerar polêmica e dúvidas. Seriam judeus, os judaizantes hispânicos mortos pela Inquisição? Seriam judeus aqueles Mischlinges não poupados por Himmler e chacinados, por possuírem sangue judaico, mesmo se suas crenças e práticas não o fossem? E somos, nós mesmos judeus, se não praticamos os preceitos e não conhecemos a Lei (mesmo se for sob uma ótica moderna, conservadora ou reformista)? Basta ser filho de mãe judia e ser circuncidado para ser judeu? E quem foi convertido por um rabino não-ortodoxo não pode ser considerado judeu? Pessoalmente não aceito o monopólio da minoria ortodoxa e creio que a diversidade judaica é condição “sine qua non” para a sobrevivência e a continuidade da identidade judaica.
Portanto acho que estamos na hora de vir a Kehilá e estudarmos e praticarmos o Judaísmo para poder ser membros de fato do Pacto, conhecendo a Lei (renovada e repensada dentro de conceitos contemporâneos) e retomando a prática dos preceitos (num contexto adequado à evolução e a realidade em que vivemos).
Boas férias. E use o tempo livre para repensar seus valores e princípios.
* Sergio Feldman é professor adjunto de História Antiga do Curso de História da Universidade Tuiuti do Paraná e doutor em História pela UFPR.
Em teoria, fazendo uma generalização, por vezes imprecisa, mas de acordo com a lei judaica (Halachá), seria todo filho de mãe judaica, que passasse pelo ritual da circuncisão (Brit Milá). Isso o colocaria no pacto de Abraão que simboliza sua pertinência ao povo judeu. Isso não exime o judeu de outros dois aspectos fundamentais: o conhecimento da Lei (Torá) e a prática dos preceitos (mitzvot), que são o tripé básico do Judaísmo, de maneira simplificada: Brit (Pacto), Torá (Lei) e Mitzvot (Preceitos). Não creio que nenhum rabino ortodoxo, ou liberal, reformista ou conservador se oponha em princípio a esta definição básica. Alguns rabinos ou pensadores podem derivar desta conceituação, algumas condições e preceitos e complementá-la com argumentos e detalhes.
Porém a pergunta que se faz é a seguinte: quantos de nós podemos ser considerados judeus segundo esta definição “básica”. Quem conhece de maneira sucinta e simplificada a Lei (Torá) e pratica de alguma maneira os preceitos (mitzvot), seja numa versão ortodoxa ou neo-ortodoxa, seja de uma maneira liberal ou conservadora? Ou seja, deixamos de ser judeus, apesar de sermos filhos de mães judias e sermos circuncidados (os homens judeus, obviamente)? Ser ou não ser, eis a questão.
Viajemos na história. Reflitam comigo e ousem pensar sem preconceito.
Nosso primeiro exemplo vem da Idade Média, na Europa Ocidental. No período das Cruzadas (1096 a 1250) em países como a França e a Alemanha (1ª Cruzada) e na Inglaterra (3ª Cruzada) judeus são colocados entre e espada e a cruz: converter ou morrer. A grande maioria opta por morrer em Santificação do Nome Divino (Al Kidush HaShem). Uma minoria opta pela conversão. Isso se explica pela pouca integração dos judeus no meio em que viviam. Ser judeu ou morrer. São os mártires das Cruzadas. Isso está descrito no último livro editado por meu mestre e orientador Nachman Falbel. Na seqüência vemos outro fato ocorrer, mas de maneira diferente, no sul da Europa.
Após alguns séculos de vida judaica na Península Ibérica, já no século XIV, se configura o inicio de uma prolongada crise. Em 1391, estala em Sevilha um violento pogrom antijudaico, deflagrado por um frei. Este se espalha por toda a Espanha atual (na época reinos de Castela e Aragão), menos em Portugal aonde o rei protege os judeus. O resultado desta violência foi surpreendente: um elevado número de judeus optou por se converter ao Cristianismo, ao invés de morrer em “Santificação do Nome Divino” (Al Kidush HaShem). Isso devido ao fato dos judeus ibéricos serem muito integrados ao meio em que viviam e a crença de que após a crise poderiam retornar à sua fé ancestral. Surge um grupo numericamente grande de “cristãos novos”. Alguns judeus, não chegam a ser convertidos à força e conseguem permanecer judeus; alguns (minoria) preferem morrer sem profanar a fé de seus ancestrais. Entre 1391 e 1492, convivem nos reinos ibéricos alguns grupos étnico-religiosos: cristãos velhos, cristãos novos, judeus e muçulmanos. A convivência por vezes se torna tensa. Inúmeras campanhas tentam converter os judeus ao catolicismo. Os cristãos novos são discriminados em Toledo (1449) pelo estatuto de pureza de sangue. Trata-se de um antecessor ibérico das leis racistas que surgirão no século XX. Os cristãos novos são proibidos de exercer determinados cargos, de cobrar os impostos reais e de ter poder sobre a casta dos nobres e burgueses cristãos velhos. Trata-se de uma lei racista que exclui cristão e os discrimina pela sua pretensa origem “judaica”. Paira sobre os cristãos novos a mesma desconfiança que os judeus sofriam. Uma continuidade do preconceito, com os recém convertidos e uma restrição “racial” (numa época que este conceito ainda não existe!), aos descendentes de judeus.
Há alguns cristãos novos que se integram à nova fé, e tratam de mostrar que são fiéis e confiáveis. Há diversos cristãos novos que se dedicam a carreiras eclesiásticas, se tornando monges, padres e bispos. São por vezes fervorosos, talvez até para mostrar sua fidelidade.
Uma minoria dos convertidos opta por seguir praticando as escondidas a crença de seus ancestrais judeus: surge o cripto-judaísmo ou marranismo. Este grupo vive sob o risco de ser acusado de apostasia ou de heresia, algo inaceitável sob a ótica católica. Uma vez batizado, mesmo contra a vontade, não há retorno ao fiel. Um cristão (católico) nunca poderia abandonar a sua fé. Nestes casos, havia o risco de ser condenado por um tribunal inquisitorial que poderia levá-lo à fogueira. Isso não tardou em ocorrer. Os Reis Católicos (Fernando de Aragão e Isabel de Castela) instauram a Inquisição em seus domínios, na segunda metade do século XV (c. 1476) e começam a inquirir e condenar inúmeros cripto-judeus. Já não são judeus, pois a Inquisição não poderia julgar infiéis judeus, mas sim cristãos heréticos. Pelo catolicismo, são cristãos e são julgados por apostasia e heterodoxia. Pelo judaísmo, não são mais judeus, já que se converteram ao catolicismo, participaram da missa, e dos sacramentos. Geralmente não eram circuncidados e portanto não realizaram o Brit Milá, não sendo membros do Pacto, ou seja judeus.
Morrem na fogueira por crime de heresia judaizante: são cristãos que realizam rituais judaicos, herdados de seus ancestrais que foram judeus. Nem em termos judaicos e nem em termos cristãos, podem ser chamados de judeus. Mas fica a sensação de que morrem em “Kidush HaShem”, da mesma maneira que os judeus vitimados durante as Cruzadas. A minha lógica fica estreita e minha razão se atrofia quando penso que morreram como judeus, mesmo sem serem considerados assim, nem pelos membros do Pacto de Abraão e tampouco pelos seus algozes da Inquisição. Morreram por professar um certo tipo de Judaísmo. O que você acha? Seria uma maneira de “ser” judaica, em pessoas legalmente não judias? Seria “Kidush HaShem”? Os judaizantes não seriam judeus?
Passemos ao século XIX e XX. Surge o Racismo Europeu, na esteira da expansão colonial. Distorcendo a teoria de Charles Darwin e inserindo nesta a semente do nacionalismo europeu do século XIX, com uma forte dose de preconceito aos povos “não europeus”, incultos e inferiores. Buscando justificar a ocupação colonial da África e da Ásia, pelos caucasianos (leia-se brancos europeus), que buscavam mercados consumidores e matérias-primas para a expansão da Revolução Industrial. Assim, na esteira da expansão industrial européia se consolida um preconceito aos “outros” que será adotado pela teoria racial nazista. Os judeus são vistos por muitos europeus como asiáticos, infiltrados no seio da população européia. Uma espécie de figura “non grata”, um paria racial que contaminava a pureza ariana. Mas muitos judeus se integram e se afastam de suas raízes. Casam com não-judeus e se convertem ao cristianismo. Outros se tornam socialistas e cosmopolitas e deixam de ser judeus. De diversas maneiras tratam de se integrar numa sociedade que os vê como infiltrados, estranhos e “não europeus”. Esses judeus que abandonam sua identidade serão apanhados por uma “armadilha da História” tal como os judaizantes da Península Ibérica, o foram.
Em 1933, ascende ao poder o Nacional Socialismo (Nazismo), na Alemanha. No seu ideário político o mito ariano tem papel fundamental. A pureza racial é almejada para fortalecer uma política de fortalecimento do Reich alemão. Os arianos seriam os “senhores do futuro” e construtores do Império Alemão: o Reich de Mil Anos. Os judeus deveriam ser escravizados e eliminados. Mas e os judeus que haviam se convertido? E os meio judeus? E os que tinham um quarto de sangue judaico? Cria-se o conceito de Mischlinge. Seriam meio judeus.
As Leis de Nuremberg (1935) excluem os judeus de direitos de cidadania e apontam uma categoria diferenciada para os que fossem um quarto, metade ou três quartos judeus. Muitos são discriminados, excluídos de direitos e por vezes exterminados. Outros são integrados ao exercito ou a grupos de elite, sendo provados em sua fidelidade e lealdade ao Reich. Um destino diferente perseguiu alguns. De acordo com a vontade de Himmler, ora eram levados aos campos, ora eram aproveitados no esforço de guerra nazista. Quase todos já não se consideravam judeus: eram por vezes netos de um judeu e três arianos. Ora eram netos de dois avós judeus, mas de outros dois avós não judeus (arianos) e ambos os pais não professavam o judaísmo. Muitos foram mandados as câmaras de gás, como se fossem judeus, mesmo se fossem filhos de mães não-judias, mesmo se não fossem circuncidados e não se identificassem como judeus. Não praticavam o judaísmo e não eram judeus de acordo a Lei (Halachá). Mas morreram como judeus e por terem sangue judaico. Como analisar estas mortes?
A nossa análise pode se prolongar. Mas não queremos gerar conclusões e certezas. Neste momento preferimos gerar polêmica e dúvidas. Seriam judeus, os judaizantes hispânicos mortos pela Inquisição? Seriam judeus aqueles Mischlinges não poupados por Himmler e chacinados, por possuírem sangue judaico, mesmo se suas crenças e práticas não o fossem? E somos, nós mesmos judeus, se não praticamos os preceitos e não conhecemos a Lei (mesmo se for sob uma ótica moderna, conservadora ou reformista)? Basta ser filho de mãe judia e ser circuncidado para ser judeu? E quem foi convertido por um rabino não-ortodoxo não pode ser considerado judeu? Pessoalmente não aceito o monopólio da minoria ortodoxa e creio que a diversidade judaica é condição “sine qua non” para a sobrevivência e a continuidade da identidade judaica.
Portanto acho que estamos na hora de vir a Kehilá e estudarmos e praticarmos o Judaísmo para poder ser membros de fato do Pacto, conhecendo a Lei (renovada e repensada dentro de conceitos contemporâneos) e retomando a prática dos preceitos (num contexto adequado à evolução e a realidade em que vivemos).
Boas férias. E use o tempo livre para repensar seus valores e princípios.
* Sergio Feldman é professor adjunto de História Antiga do Curso de História da Universidade Tuiuti do Paraná e doutor em História pela UFPR.
Nenhum comentário:
Postar um comentário