Enquanto muitos almejam a posição pelo prestígio e pela imunidade, há, surpreendentemente, alguns diplomatas que realmente querem ajudar as pessoas. Esse foi o caso em algumas histórias que aconteceram durante a Segunda Guerra Mundial, quando cônsules de todo o mundo ajudaram judeus a escapar da perseguição na Alemanha nazista. Confira alguns desses relatos, de restaurar a fé na humanidade:
10. Príncipe Constantin Karadja, da Romênia
Acredita-se que Constantin Karadja, como Cônsul Geral da Romênia em Berlim entre 1931 e 41, tenha salvado a vida de nada mais nada menos do que 51 mil pessoas.
Constantin teve uma educação humanística e jurídica, dedicando atenção especial para a garantia dos direitos humanos ao longo de sua carreira. O príncipe se dedicou a proteger principalmente os cidadãos romenos, independentemente de etnia ou religião.
O trabalho salvador de Constantin consistia em emitir centenas de vistos tanto para judeus romenos quanto para os não romenos durante a guerra. Os boatos sobre a ajuda que prestava ultrapassou os limites da cidade de Berlim e se espalhou principalmente pela França e pela Hungria.
Porém, ele não apenas concedia visto aos que eram perseguidos por serem judeus – ele desafiava as ordens de seu próprio país ao fazê-lo. No dia 7 de março de 1941, Constantin desobedeceu a imposição feita por seu governo para começar a colocar uma indicação da religião nos passaportes de judeus romenos, temendo que a informação atrapalhasse quem tentasse fugir.
Mais tarde, naquele mesmo ano, depois de ter sido nomeado ministro dos Negócios Estrangeiros romeno, Constantin Karadja foi capaz de aprovar uma lei que protegia todos os romenos no exterior, sem distinção ou discriminação. Indo ainda mais longe, em 1943, convenceu o governo romeno a mudar sua postura pró-Alemanha. Na realidade, ele era tão irritantemente bom em seu trabalho de salvar pessoas que acabou sendo demitido. Mais tarde, o país se recusou a lhe pagar pensão.
9. Carl Lutz, Suíça
Nominado vice-cônsul suíço em Budapeste no ano de 1942, Carl Lutz causou o maior rebuliço em seu país de origem quando “ameaçou” sua neutralidade, inventando uma “carta de proteção” que concedia esta neutralidade a judeus.
Carl entregou estes modelos de carta a mais de 10 mil crianças judias, permitindo-lhes fugir. Quando os alemães tomaram o controle da capital húngara, em 1944, Lutz conseguiu negociar a proteção de 8 mil judeus locais. Explorando o acordo que ele havia criado, Lutz imediatamente começou a proteger 8 mil famílias judias – ou seja, concedeu proteção à família inteira daqueles primeiramente amparados.
O vice-cônsul foi além e instalou 76 casas seguras por toda a cidade, declarando-as solo suíço. Cerca de 3 mil judeus estavam abrigados em um único prédio. Lutz chegou a pular em um rio atrás de uma mulher judia que estava ferida. Ele, depois, declarou que a moça em questão era cidadã suíça. Lutz salvou a vida dela e, segundo estimativas, foi o responsável por salvar outras 62 mil vidas também.
8. Hiram Bingham IV, dos Estados Unidos
Hiram Bingham IV servia como o Cônsul dos Estados Unidos em Marselha, na França, quando se deu a eclosão da guerra. Em uma tentativa de manter boas relações com a França de Vichy (o Estado francês entre os anos 1940 e 1944 basicamente era um fantoche sob a influência nazista dos vizinhos alemães), o governo dos Estados Unidos desencorajava seus diplomatas a ajudar refugiados.
Harry foi uma exceção a esta regra desumana. Em 1940, Hiram emitiu ilegalmente um falso conjunto de documentos de viagem a Varian Fry, romancista norte-americano e membro do Comitê de Resgate de Emergência. Com esses documentos de viagem, Fry ajudou mais de 2 mil judeus a escaparem da França.
Hiram também refugiou judeus desabrigados e se reuniu com grupos de escape para auxiliar a evacuação dos perseguidos. No final de 1940, Bingham começou a visitar campos de concentração e emitir ordens de proteção e vistos às pessoas que lá estavam. Estes campos incluíam Gurs, Le Vernet, Argelès-sur-Mer, Agde e Les Milles.
Bingham concedia a cidadania àqueles que sofriam nos campos, colocando-os sob a proteção norte-americana. Em 1941, o governo dos Estados Unidos retirou Bingham de seu cargo e o transferiu para a Argentina, provavelmente apenas para tentar se livrar dele. Bingham foi, posteriormente, fundamental no rastreamento de criminosos de guerra nazistas.
7. Arcebispo Angelo Giuseppe Roncalli (Papa João 23), do Vaticano
O arcebispo Angelo Giuseppe Roncalli, que mais tarde se tornou o Papa João 23, atuou como Delegado Apostólico na Turquia e Grécia. Angelo usou sua posição para ajudar o movimento clandestino judeu e salvar milhares de refugiados na Europa. Ele ainda auxiliou refugiados judeus que chegavam a Istambul a fugir para a Palestina ao arranjar dinheiro, transporte e suprimentos.
Angelo ainda liberou um grande número de judeus dos campos de concentração Jasenovac e Serede, concedendo-lhes documentos falsos de batismo. Em 28 de outubro de 1958, ele foi eleito papa e, mais tarde, foi o responsável por convocar o Concílio Vaticano II, que teve como objetivo renovar os ritos da Igreja Católica. O Papa João 23 também eliminou a descrição dos judeus como “enganosos” na liturgia da sexta-feira santa e fez uma confissão em nome da Igreja pelo pecado do anti-semitismo.
6. Selahattin Ulkumen, da Turquia
O turco Selahattin Ulkumen era o Cônsul da Turquia em Rhodes, na Grécia, durante a Segunda Guerra Mundial. Ele agiu contra os desejos dos nazistas quando interveio na perseguição contra os judeus na cidade, a qual começou em 19 de julho de 1944. Ulkumen exigiu que os judeus turcos que haviam sido reunidos para a deportação fossem liberados, uma vez que o governo turco não discriminava os direitos de proteção dos seus cidadãos.
Finalmente, depois de muitos entraves burocráticos (e com medo de fazer ainda mais inimigos), a Gestapo desistiu dos judeus, que, em seguida, ficaram sob os cuidados e a proteção de Ulkumen. Em represália, os alemães bombardearam a embaixada turca, matando a esposa grávida de Ulkumen e prendendo-o junto com sua equipe durante todo o resto da guerra. Ulkumen sobreviveu ao conflito e morreu apenas em 2003.
5. Angelo Rotta, do Vaticano
Como diplomata do Vaticano em Sofia, capital da Bulgária, Angelo Rotta salvou milhares de judeus por meio da emissão de certidões de batismo falsas, que concediam a eles uma passagem segura para a Palestina. Apesar de ter praticado repetidas vezes esse crime, passível de ser punido com a morte pelos nazistas, Monsignore não parou por aí.
Quando ele se tornou decano do corpo diplomático em Budapeste, na Hungria, ativamente condenou o holocausto no quintal de Hitler. Rotta emitiu mais de 15 mil certificados de conduta segura, o que concedia neutralidade aos judeus.
Angelo até mesmo visitou campos de trabalhos forçados e participou de marchas da morte para distribuir ainda mais certidões falsas de batismo. Além disso, ele pessoalmente instalou e protegeu diversas casas seguras em toda a cidade de Budapeste para acolher aqueles que havia salvado.
4. Friedrich Borns, da Cruz Vermelha da Suíça
Friedrich Born foi delegado da Cruz Vermelha em Budapeste, capital húngara, entre maio de 1944 e janeiro de 1945. Seguindo o exemplo de Carl Lutz, Born também salvou milhares de judeus na cidade. Ele recrutou cerca de 3 mil para “trabalhar” em seu escritório, concedendo-lhes proteção, além de declarar várias casas seguras por toda a cidade e protegê-las por meio da Cruz Vermelha.
Além de tudo isso, ele também distribuiu 15 mil documentos de proteção que impedia a deportação de judeus húngaros. No total, estima-se que Fredrich tenha sido o responsável por poupar a vida de 11 a 15 mil pessoas.
3. Gilberto Bosques Saldivar, do México
O mexicano Gilberto Bosques Saldivar era o Cônsul do México na França de Vichy durante a guerra. Gilberto ordenou sua equipe a emitir vistos a qualquer pessoa em busca de refúgio, em sua maioria judeus. Mais de 40 mil foram expedidos.
Giberto chegou a alugar um castelo e uma casa de veraneio na cidade de Marselha para abrigar os refugiados sob a proteção do território mexicano. Em 1943, Saldivar e sua família, juntamente com 40 de seus funcionários, foram presos pela Gestapo e detidos por um ano. Ele foi liberado durante uma troca de prisioneiros entre os governos mexicano e alemão. Gilberto não apenas sobreviveu à guerra como também só faleceu aos 103 anos. Outro caso de “anjo” que viveu muitos anos depois para contar suas histórias.
2. José Castellanos Contreras, de El Salvador
Trabalhando como Cônsul de El Salvador na Suíça, José começou pequeno, concedendo a um empresário judeu da região da Transilvânia, na Romênia, e a seus familiares um visto para salvar a família inteira de um esquadrão da Gestapo que estava prestes a deportá-los.
Depois que ele se tornou o Cônsul Geral de El Salvador em Genebra, em 1942, José passou a emitir milhares de vistos para refugiados judeus, permitindo-lhes fugir para o continente americano.
Em 1944, a distribuição de documentos salvadorenhos tinha se tornado uma produção em série: José ajudava grupos judaicos para que eles próprios pudessem produzir as falsificações ilegais e permitir que mais judeus fossem salvos. Nesse ano, ele percebeu que poderia fazer ainda mais, de modo que secretamente começou a emitir 13 mil “certificados de cidadania salvadorenha” para judeus da Europa Central de graça.
O consulado salvadorenho foi o primeiro da América Latina a produzir esse tipo de documento contra a vontade de seus superiores e, obviamente, dos nazistas. Os judeus que possuíam o certificado ganhavam o direito de buscar refúgio com a Cruz Vermelha, além do próprio consulado suíço em Genebra. Os documentos foram os responsáveis por salvar milhares de judeus da extradição para os campos de extermínio nazistas. Acredita-se que as ações de José Castellanos Contreras e sua equipe salvaram a vida de uma quantia espantosa de vidas: entre 30 e 50 mil pessoas.
1. Aracy de Carvalho Guimarães Rosa, do Brasil
A brasileira Aracy de Carvalho Guimarães Rosa, segunda esposa do escritor Guimarães Rosa, não podia ficar de fora desta lista. Aracy foi muito além dos deveres como uma funcionária que trabalhava no departamento de vistos na embaixada brasileira em Hamburgo, na Alemanha.
Ela usou sua posição como chefe da Seção de Passaportes – e contrariou ordens – para conceder vistos a judeus entre os anos de 1938 até 1942, quando o Brasil se juntou aos Aliados. O chamado Anjo de Hamburgo não só fornecia vistos, como também ajudava os refugiados financeiramente e com suprimentos para a viagem ao Brasil comprados com o dinheiro de seu próprio bolso. Ela ainda abrigava alguns deles.
Em 1938, entrou em vigor no Brasil a Circular Secreta 1.127, que restringia a entrada de judeus no país. Aracy ignorou a ordem oficial e continuou preparando vistos para judeus, permitindo a entrada deles por aqui. Como despachava documentos com o Cônsul Geral, a paranaense colocava os vistos entre a papelada para ser assinada. Para obter a aprovação dos vistos, Aracy simplesmente deixava de por neles a letra J, que identificava quem era judeu.
Nessa época, Guimarães Rosa era Cônsul Adjunto e eles ainda não eram casados. Ele soube do que ela fazia e apoiou sua atitude, com o que Aracy intensificou aquele trabalho, livrando muitos judeus da prisão e da morte. O “anjo” viveu até os 102 anos de idade, e faleceu apenas em 2011. Certamente podemos dizer que ela mereceu estes anos extras.
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