Há quem acredite que a Bíblia Hebraica, ou pior, o próprio Eterno, seja cruel devido ao fato de tomar versículos isolados, e... não compreender o texto das Escrituras. Um desses trechos é o seguinte:
“Feliz aquele que pegar em teus pequeninos e der com eles nas pedras.” (Sl. 137:9)
Como pode o Eterno enaltecer o ato de pegar crianças e dar com eles nas pedras?
Na realidade, a compreensão desse versículo é totalmente diferente do que pode parecer à primeira vista.
A primeira coisa a compreender é que salmo não é mandamento, nem profecia, muito menos promessa. E, no salmo, não é o Eterno falando, nem tampouco psicografando, mas sim o salmista entoando uma canção.
Os salmos são cânticos que os sacerdotes e juízes de Israel escolheram para fins litúrgicos no Templo, ou para outras ocasiões especiais.
A segunda coisa a compreender é que o contexto não fala de crianças. Observe:
“Ah! Filha de Babilônia, devastadora; feliz aquele que te retribuir consoante nos fizeste a nós;
feliz aquele que pegar em teus pequeninos [עֹלָלַיִךְ - olalayikh] e der com eles nas pedra.” (Sl.137:8,9)
Acaso a Babilônia teria, literalmente uma filha? É claro que não! A ‘filha da Babilônia’ é uma personificação poética do Reino da Babilônia.
Da mesma forma, quando se fala aqui dos ‘pequeninos da Babilônia’, é uma referência aos babilônios em geral, e não a crianças!
Observe uma passagem com linguagem quase que idêntica, falando sobre Israel:
“Clama ao ETERNO, ó filha de Sião; corram as tuas lágrimas, como um ribeiro, de dia e de noite; não te dês repouso, nem descansem os teus olhos. Levanta-te, clama de noite no princípio das vigias; derrama o teu coração como águas diante do ETERNO! Levanta a ele as tuas mãos, pela vida de teus pequeninos [עֹלָלַיִךְ - olalayikh], que desfalecem de fome à entrada de todas as ruas.” (Lm. 2:18,19)
Repare que da mesma maneira, o Reino de Judá é chamado de ‘filha de Sião’. Sião é uma referência ao monte Sião, em Jerusalém. E os pequeninos são nada mais, nada menos que os próprios israelitas. Essa passagem também ajudará a compreender o contexto do salmo. Isso será visto mais adiante.
Voltando ao salmo, portanto, já vimos que quem fala é o salmista, e não o Eterno. E que ele não está se referindo a esmagar crianças contra a pedra, mas sim de vingança contra os babilônios.
E qual a razão dele estar se sentido assim? Para isso, observemos o começo do salmo:
“Junto aos rios de Babilônia, ali nos assentamos e nos pusemos a chorar, recordando-nos de Sião. Nos salgueiros que há no meio dela penduramos as nossas harpas, pois ali aqueles que nos levaram cativos nos pediam canções; e os que nos atormentavam, que os alegrássemos, dizendo: Cantai-nos um dos cânticos de Sião.” (Sl. 137:1-3)
Observe que o salmista está no exílio, na Babilônia. E o povo judeu na Babilônia estava sofrendo muito, sendo atormentado pelos babilônios.
Os babilônios debochavam dos judeus, pedindo que eles cantassem sobre sua terra, que tinha sido destruída. O tema do livro de Lamentações, citado acima, é exatamente esse: Todo o sofrimento que pelo qual o povo judeu passou.
A Babilônia havia sido particularmente cruel com o povo judeu: Além de ter devastado Judá, levou a maior parte do povo cativa, e destruiu o Templo do Eterno. E ainda submetia o povo judeu a tormentos no exílio.
É absolutamente natural, portanto, que o salmista estivesse muito angustiado. O salmo deve ser entendido exatamente como ele é: O clamor desesperado de um homem que viu tudo o que tinha, sua terra natal, tudo aquilo que lhe era precioso e sagrado, e até mesmo sua própria família e amigos arrasados, destruídos e despedaçados por uma nação estrangeira.
Para trazer aos dias atuais, seria como um judeu no campo de concentração, na 2a. Guerra Mundial, clamando por vingança contra o exército dos nazistas.
Esse clamor do salmista pede que o Eterno se vingue da Babilônia (vide verso 8), e é nesse sentido que ele diz: Feliz aquele que der com os babilônios nas pedras.
Ou seja, o salmista entende que feliz seria aquele por intermédio de quem o Eterno exercesse vingança e juízo sobre a Babilônia por todas as atrocidades cometidas contra o povo judeu.
E observe que ele não queria simplesmente vingança por vingança. Ele queria ser liberto da tirania Babilônia, e voltar para casa:
“Mas como entoaremos o cântico do ETERNO em terra estrangeira? Se eu me esquecer de ti, ó Jerusalém, esqueça-se a minha destra da sua destreza.” (Sl. 137:4,5)
Como se pode perceber, longe de ser um convite à barbárie e à crueldade, este trecho do salmo não é nada mais do que a oração emocionada, passional por assim dizer, de um homem desesperado, clamando por libertação e justiça.
Mesmo assim, sobra ainda uma pergunta: Por que os juízes de Israel escolheram esse salmo, com uma linguagem tão gráfica, para figurar entre os cânticos de Israel?
Há duas razões para isso. A primeira é justamente para ensinar que nós podemos derramar completamente os nossos corações perante o Criador.
Nossos sentimentos não são todos lindos e belos. Frequentemente temos ira, raiva, sentimos o peso da injustiça, e desejamos ver retribuição. E não há nada de errado em ser sincero com o Criador. Não precisamos esconder dEle esses sentimentos.
No entanto, o salmista faz aquilo que é o mais correto nesses momentos. Ele entrega a situação nas mãos do Eterno. Observe:
“Lembra-te, ETERNO, contra os edomitas, do dia de Jerusalém, porque eles diziam: Arrasai-a, arrasai-a até os seus alicerces.” (Sl. 137:7)
(A referência aqui a Edom é porque os edomitas também tinham se aproveitado da situação e subido contra Judá, quando esse estava fragilizado combatendo inimigos externos.)
Ou seja, a lição é: Não importa qual o nosso sentimento, não há porque tentar escondê-lo do Eterno. Mas, o Eterno irá tratar e trabalhar nosso interior, e sempre agirá com justiça.
O segundo motivo era porque, muito possivelmente, os juízes sabiam que Israel viria a sofrer novo exílio, e que quando isso acontecesse, seria útil que tivessem a lembrança do que aconteceu, de como se sentiram, de como, por fim, o Eterno trouxe livramento.
Como se pode perceber, a boa exegese, que compreende adequadamente o texto bíblico em seu contexto dá trabalho. Pois requer uma leitura contextualizada não só pelo que há em torno dos versículos, como também pelos fatos históricos que cercam a passagem.
Antes de ler qualquer trecho bíblico, é importantíssimo se perguntar: Em que época foi escrito, e o que estava acontecendo naquele momento? Só assim poderemos entender a mentalidade e o sentimento do autor.
Mais uma vez, o objetivo não é falar de religião, mas sim da interpretação correta e adequada das Escrituras.
Aproveito o ensejo para também recomendar um estudo que também fala sobre a questão de outras passagens aparentemente cruéis:
http://qol-hatora.org/…/misterios-do-tanakh-tora-e-genocid…/
Como pode o Eterno enaltecer o ato de pegar crianças e dar com eles nas pedras?
Na realidade, a compreensão desse versículo é totalmente diferente do que pode parecer à primeira vista.
A primeira coisa a compreender é que salmo não é mandamento, nem profecia, muito menos promessa. E, no salmo, não é o Eterno falando, nem tampouco psicografando, mas sim o salmista entoando uma canção.
Os salmos são cânticos que os sacerdotes e juízes de Israel escolheram para fins litúrgicos no Templo, ou para outras ocasiões especiais.
A segunda coisa a compreender é que o contexto não fala de crianças. Observe:
“Ah! Filha de Babilônia, devastadora; feliz aquele que te retribuir consoante nos fizeste a nós;
feliz aquele que pegar em teus pequeninos [עֹלָלַיִךְ - olalayikh] e der com eles nas pedra.” (Sl.137:8,9)
Acaso a Babilônia teria, literalmente uma filha? É claro que não! A ‘filha da Babilônia’ é uma personificação poética do Reino da Babilônia.
Da mesma forma, quando se fala aqui dos ‘pequeninos da Babilônia’, é uma referência aos babilônios em geral, e não a crianças!
Observe uma passagem com linguagem quase que idêntica, falando sobre Israel:
“Clama ao ETERNO, ó filha de Sião; corram as tuas lágrimas, como um ribeiro, de dia e de noite; não te dês repouso, nem descansem os teus olhos. Levanta-te, clama de noite no princípio das vigias; derrama o teu coração como águas diante do ETERNO! Levanta a ele as tuas mãos, pela vida de teus pequeninos [עֹלָלַיִךְ - olalayikh], que desfalecem de fome à entrada de todas as ruas.” (Lm. 2:18,19)
Repare que da mesma maneira, o Reino de Judá é chamado de ‘filha de Sião’. Sião é uma referência ao monte Sião, em Jerusalém. E os pequeninos são nada mais, nada menos que os próprios israelitas. Essa passagem também ajudará a compreender o contexto do salmo. Isso será visto mais adiante.
Voltando ao salmo, portanto, já vimos que quem fala é o salmista, e não o Eterno. E que ele não está se referindo a esmagar crianças contra a pedra, mas sim de vingança contra os babilônios.
E qual a razão dele estar se sentido assim? Para isso, observemos o começo do salmo:
“Junto aos rios de Babilônia, ali nos assentamos e nos pusemos a chorar, recordando-nos de Sião. Nos salgueiros que há no meio dela penduramos as nossas harpas, pois ali aqueles que nos levaram cativos nos pediam canções; e os que nos atormentavam, que os alegrássemos, dizendo: Cantai-nos um dos cânticos de Sião.” (Sl. 137:1-3)
Observe que o salmista está no exílio, na Babilônia. E o povo judeu na Babilônia estava sofrendo muito, sendo atormentado pelos babilônios.
Os babilônios debochavam dos judeus, pedindo que eles cantassem sobre sua terra, que tinha sido destruída. O tema do livro de Lamentações, citado acima, é exatamente esse: Todo o sofrimento que pelo qual o povo judeu passou.
A Babilônia havia sido particularmente cruel com o povo judeu: Além de ter devastado Judá, levou a maior parte do povo cativa, e destruiu o Templo do Eterno. E ainda submetia o povo judeu a tormentos no exílio.
É absolutamente natural, portanto, que o salmista estivesse muito angustiado. O salmo deve ser entendido exatamente como ele é: O clamor desesperado de um homem que viu tudo o que tinha, sua terra natal, tudo aquilo que lhe era precioso e sagrado, e até mesmo sua própria família e amigos arrasados, destruídos e despedaçados por uma nação estrangeira.
Para trazer aos dias atuais, seria como um judeu no campo de concentração, na 2a. Guerra Mundial, clamando por vingança contra o exército dos nazistas.
Esse clamor do salmista pede que o Eterno se vingue da Babilônia (vide verso 8), e é nesse sentido que ele diz: Feliz aquele que der com os babilônios nas pedras.
Ou seja, o salmista entende que feliz seria aquele por intermédio de quem o Eterno exercesse vingança e juízo sobre a Babilônia por todas as atrocidades cometidas contra o povo judeu.
E observe que ele não queria simplesmente vingança por vingança. Ele queria ser liberto da tirania Babilônia, e voltar para casa:
“Mas como entoaremos o cântico do ETERNO em terra estrangeira? Se eu me esquecer de ti, ó Jerusalém, esqueça-se a minha destra da sua destreza.” (Sl. 137:4,5)
Como se pode perceber, longe de ser um convite à barbárie e à crueldade, este trecho do salmo não é nada mais do que a oração emocionada, passional por assim dizer, de um homem desesperado, clamando por libertação e justiça.
Mesmo assim, sobra ainda uma pergunta: Por que os juízes de Israel escolheram esse salmo, com uma linguagem tão gráfica, para figurar entre os cânticos de Israel?
Há duas razões para isso. A primeira é justamente para ensinar que nós podemos derramar completamente os nossos corações perante o Criador.
Nossos sentimentos não são todos lindos e belos. Frequentemente temos ira, raiva, sentimos o peso da injustiça, e desejamos ver retribuição. E não há nada de errado em ser sincero com o Criador. Não precisamos esconder dEle esses sentimentos.
No entanto, o salmista faz aquilo que é o mais correto nesses momentos. Ele entrega a situação nas mãos do Eterno. Observe:
“Lembra-te, ETERNO, contra os edomitas, do dia de Jerusalém, porque eles diziam: Arrasai-a, arrasai-a até os seus alicerces.” (Sl. 137:7)
(A referência aqui a Edom é porque os edomitas também tinham se aproveitado da situação e subido contra Judá, quando esse estava fragilizado combatendo inimigos externos.)
Ou seja, a lição é: Não importa qual o nosso sentimento, não há porque tentar escondê-lo do Eterno. Mas, o Eterno irá tratar e trabalhar nosso interior, e sempre agirá com justiça.
O segundo motivo era porque, muito possivelmente, os juízes sabiam que Israel viria a sofrer novo exílio, e que quando isso acontecesse, seria útil que tivessem a lembrança do que aconteceu, de como se sentiram, de como, por fim, o Eterno trouxe livramento.
Como se pode perceber, a boa exegese, que compreende adequadamente o texto bíblico em seu contexto dá trabalho. Pois requer uma leitura contextualizada não só pelo que há em torno dos versículos, como também pelos fatos históricos que cercam a passagem.
Antes de ler qualquer trecho bíblico, é importantíssimo se perguntar: Em que época foi escrito, e o que estava acontecendo naquele momento? Só assim poderemos entender a mentalidade e o sentimento do autor.
Mais uma vez, o objetivo não é falar de religião, mas sim da interpretação correta e adequada das Escrituras.
Aproveito o ensejo para também recomendar um estudo que também fala sobre a questão de outras passagens aparentemente cruéis:
http://qol-hatora.org/…/misterios-do-tanakh-tora-e-genocid…/