quarta-feira, 2 de julho de 2014


Mistérios do Tanakh: O Sacrifício de Yis'haq 1

Por Sha’ul Bentsion
I - Introdução
A passagem, conhecida como ‘Aqedat Yis'haq (קַחְצִי קידתֲע), isto é, a Amarração de
Isaque, é talvez das mais difíceis das Escrituras. 
O texto é bastante controverso: O Eterno ordena a Avraham (Abraão) oferecer o seu próprio filho em holocausto, Avraham quase chega às vias de fato. E, é recompensado por sua fidelidade. 
Pelo menos, essa é a forma como a maioria das pessoas está habituada a ler a 
passagem. E, certamente, essa é uma leitura possível desse episódio enigmático. Porém, ela não é a única leitura. Meu objetivo aqui é apresentar uma leitura totalmente alternativa.
Meu objetivo não é fazer o leitor concordar com a visão aqui apresentada. Mas, como de costume, o objetivo principal é ser um convite à uma profunda reflexão sobre a Torah, assim como um processo de pesquisa intensa das Escrituras. Acredito que esse processo em si seja bem mais importante e relevante do que a conclusão final sobre o tema, seja ela concordando ou discordando da visão aqui apresentada.
Essa leitura não é originalmente minha. Primeiro tomei contato com ela ao ler o artigo “Did 
Abraham fail his final test?” - do rabino Hyim Shafner. Confesso que, de início, essa interpretação me causou certa estranheza, mas quanto mais pesquisava, mais a leitura fazia sentido. É preciso tempo para deixar de lado as inferências que estamos habituados a fazer quando lemos certo texto. Por fim, essa leitura me parece ser a melhor que já vi até o momento.
Apresento, portanto, o resultado aqui de minhas pesquisas sobre o tema, e as bases dessa leitura alternativa. Ressalto novamente: Ela não é a única possível. Concorde o leitor ou discorde dessa leitura, conhecê-la certamente será uma jornada interessante.
II - Premissas Básicas
A leitura da Torah nunca deve ser baseada em passagens isoladas. O todo sempre deve ser levado em consideração. Isto posto, antes de adentrarmos a história de Avraham (Abraão) 
propriamente dita, é importante estabelecermos o que a Torah, ou mesmo o restante do Tanakh (Bíblia Hebraica), ensina sobre a prática do sacrifício humano.
A prática do sacrifício humano era muito comum na região da Mesopotâmia, entre as nações em que Israel teve contato. Ela, e seus objetivos, aparecem inclusive na narrativa do próprio Tanakh:
“Mas, vendo o rei dos moabitas que a peleja prevalecia contra ele, tomou consigo setecentos homens que sacavam espada, para romperem contra o rei de Edom, porém não puderam. Então tomou a seu filho primogênito, que havia de reinar em seu lugar, e o ofereceu em holocausto sobre o muro; pelo que houve grande indignação em Israel; por isso retiraram-se dele, e voltaram para a sua terra.” (Melakhim Bet/2 Reis 3:26-27)
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O rei de Moav (Moabe) acreditava que, ao oferecer seu primogênito em sacrifício, estaria fazendo um oferta preciosa aos olhos de sua divindade. Isso não é muito diferente do que pensou Avraham (Abraão) em fazer. 
No entanto, observa-se aqui que a prática é considerada abominável 
pelos israelitas.
A razão da indignação é compreensível, pois o Eterno já havia ensinado a Israel a respeito da prática. 
A Torah é não apenas clara, como enfática:
“E da tua descendência não darás nenhum para fazer passar pelo fogo perante Molekh; e não profanarás o nome de teu Elohim. Eu sou YHWH.” (Wayiqra/Levítico 18:21)
“Também dirás aos filhos de Israel: Qualquer que, dos filhos de Israel, ou dos estrangeiros que peregrinam em Israel, der da sua descendência a Molekh, certamente morrerá; o povo da terra o apedrejará. E eu porei a minha face contra esse homem, e o extirparei do meio do seu povo, porquanto deu da sua descendência a Molekh, para contaminar o meu santuário e profanar o meu santo nome. E, se o povo da terra de alguma maneira esconder os seus olhos daquele homem, quando der, da sua descendência a Molekh, para não o matar, então eu porei a minha face contra aquele homem, e contra a sua família, e o extirparei do meio do seu povo, bem como a todos que forem após ele, prostituindo-se com Molekh.” (Wayiqra/Levítico 20:2-5)
“Assim não farás a YHWH teu Elohim; porque tudo o que é abominável ao Senhor, e que ele odeia, fizeram eles a seus deuses; pois até seus filhos e suas filhas queimaram no fogo aos seus deuses.” (Devarim/Deuteronômio 12:31)
“Entre ti não se achará quem faça passar pelo fogo a seu filho ou a sua filha, nem adivinhador, nem prognosticador, nem agoureiro, nem feiticeiro;” (Devarim/Deuteronômio 18:10)
Pela Torah, observa-se a essência da natureza do Eterno. Para o Eterno, a prática do sacrifício humano é tão horrenda, que o Eterno promete extirpar do povo não apenas quem a pratique, mas também que acobertar a prática.
No restante do Tanakh, a prática recebe o mesmo tratamento:
“Porque [o rei ahaz] andou no caminho dos reis de Israel, e até a seu filho fez passar pelo fogo, segundo as abominações das nações que YHWH lançara fora de diante dos filhos de Israel.” (Melakhim Bet/2 Reis 16:3)
A prática do sacrifício humano foi uma das razões que fez o Eterno expulsar as nações que anteriormente habitaram na terra prometida a Israel.
“E [o rei Menashe] até fez passar a seu filho pelo fogo, adivinhava pelas nuvens, era agoureiro e ordenou adivinhos e feiticeiros; e prosseguiu em fazer o que era mau aos olhos de YHWH, para o provocar à ira.” (Melakhim Bet/2 Reis 21:6)
A prática incita a ira ao Eterno.
“Também [o rei Yoshiyahu] profanou a Tofet, que está no vale dos filhos de Hinom, para que ninguém fizesse passar a seu filho, ou sua filha, pelo fogo a Molekh.” 
(Melakhim Bet/2 Reis 23:10)
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Yoshiayahu (Josias), um rei justo, proibiu a prática em Israel. 
“Porque os filhos de Yehudah fizeram o que era mau aos meus olhos, diz YHWH; 
puseram as suas abominações na casa que se chama pelo meu nome, para contaminá-
la. E edificaram os altos de Tofet, que está no Vale de Ben-Hinom, para queimarem no fogo a seus filhos e a suas filhas, o que nunca ordenei, nem me subiu ao coração.” (Yirmiyahu/Jeremias 7:30-31)
O Eterno jamais ordenou sacrifícios humanos.
"Além disto, tomaste a teus filhos e tuas filhas, que me tinhas gerado, e os sacrificaste a elas, para serem consumidos; acaso é pequena a tua prostituição? E mataste a meus filhos, e os entregaste a elas para os fazerem passar pelo fogo." 
(Yehezqel/Ezequiel 16:20-21)
Como se pode perceber, a prática é uma das mais abomináveis nas Escrituras, e não poderia estar mais distante dos propósitos e desígnios do Criador.
Isso, por si só, já é um grande indicativo de que seria difícil supor a ideia de que Avraham (Abraão) pudesse ter sido recompensado por sua intenção de realizar tal prática. 
Como, portanto, entender o texto?
III - O Propósito da Prova
O texto começa dizendo:
"E aconteceu depois destas coisas, que provou Elohim a Avraham, e disse-lhe: Avraham! 
E ele disse: Eis-me aqui.” (Bereshit/Gênesis 22:1)
Será que a confiança de Avraham (Abraão) em seguir as instruções do Eterno precisava ainda ser testada? Logo no começo da narrativa a seu respeito, a Torah diz:
“Ora, YHWH disse a Avram: Sai-te da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei. E far-te-ei uma grande nação, e abençoar-te-ei e 
engrandecerei o teu nome; e tu serás uma bênção. E abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; e em ti serão benditas todas as famílias da terra. 
Assim partiu Avram como YHWH lhe tinha dito, e foi Lot com ele; e era Abrão da idade de setenta e cinco anos quando saiu de Haran.” (Bereshit/Gênesis 12:1-4)
Avraham (Abraão), já sendo de idade, largou tudo para trás, inclusive sua família, e foi capaz de seguir a voz do Eterno, para um local que o Eterno não havia ainda nem mesmo revelado! Certamente não era um homem de pequena fé. 
Sabe-se que o Eterno nos põe à prova, mas sempre com um propósito:
"E te lembrarás de todo o caminho, pelo qual YHWH teu Elohim te guiou no deserto estes quarenta anos, para te tornar humilde, e te provar, para saber o que estava no teu coração, se guardarias as suas miswot, ou não.” (Devarim/Deuteronômio 8:2)
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Um dos principais objetivos pelos quais o Eterno nos prova é para nos ensinar a não pecarmos:
"E disse Moshe ao povo: Não temais, Elohim veio para vos provar, e para que o seu temor esteja diante de vós, a fim de que não pequeis.” (Shemot/Êxodo 20:20)
Mas, que tipo de pecado poderia o Eterno desejar ensinar a Avraham (Abraão) a não cometer? 
IV - Avraham e os Sacrifícios Humanos
É preciso continuar a leitura para entender melhor:
"E disse: Toma agora o teu filho, o teu único filho, Isaque, a quem amas, e vai-te à terra de Moriyah, e oferece-o ali em holocausto sobre uma das montanhas, que eu te direi. 
Então se levantou Avraham pela manhã de madrugada, e albardou o seu jumento, e 
tomou consigo dois de seus moços e Yis'haq seu filho; e cortou lenha para o holocausto, e levantou-se, e foi ao lugar que Elohim lhe dissera.” (Bereshit/Gênesis 22:2-3)
Para compreender o episódio, é preciso lembrar de onde Avraham (Abraão) saiu. Ele era um caldeu, da cidade de Ur. 
Em escavações recentes na antiga Ur dos Caldeus, atualmente a cidade de Nasiriya, no Iraque, a equipe do arqueólogo britânico C. Leonard Woolley encontrou cerca de 2 mil corpos em câmaras mortuárias, com indícios de morte por sacrifício.
A presença de perfurações por objetos pontiagudos, e a disposição ordenada dos corpos indicam que os rituais de sacrifício humano eram 
realizados em massa na região há pelo menos cerca de 4,5 mil anos.
Ao lado, a imagem de uma adaga ritual, feita de ouro, que era utilizada para 
essa finalidade, encontrada presa à cintura de um dos corpos.
Em sendo uma prática corrente em Ur, de onde Avraham (Abraão) se originara, 
certamente ele estava bastante familiarizado com ela.
De fato, a barbárie do sacrifício humano é tão comum no imaginário humano que pode ser encontrada em evidências espalhadas por todo o mundo. 
Como, por exemplo, a imagem asteca ao lado, do século XVI DC. Não à toa, essa prática é a base teológica da maior religião da atualidade.
Para um caldeu, como Avraham (Abraão), a ideia de que uma divindade pudesse exigir um sacrifício humano era uma ideia corriqueira. Algo tão comum que ele aceita sem questionar!
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A definição do teste de Avraham (Abraão) é melhor descrita por Malcolm E. Schrader:
“A exortação ‘Por favor tome teu filho, teu único filho, a quem amas, isto é, Isaque, e vá para a terra de Moriá…’ tem por objetivo significar ‘Abraão, o que você tem intenção de fazer, segundo essa prática dos mesopotâmios, que você imagina ter a Minha aprovação, é tomar o seu filho, o seu único filho, a quem você ama tanto, o próprio Isaque, que irá gerar uma futura nação, e matá-lo!” O que está implícito: “Abraão, isso faz sentido? Será que a sua inteligência dada pelo Eterno permite tal coisa? Pense nisso, Abraão, na sua caminhada de três dias até Moriá.” (The Akedah Test: What Passes and What Fails - 
Jewish Bible Quarterly, 2004)
V - O Justo se Cala
Observe que Avraham (Abraão) era um justo. Quando ouvi falar da destruição de Sodoma e Gomorra, ele não hesitou por um momento sequer em argumentar com o Eterno, e procurar dissuadí-Lo de destruir o local, por causa dos justos que ali estavam.
E o Eterno encoraja esse diálogo, pois sabe que aprender sobre os valores da justiça seria um exercício fundamental para Avraham (Abraão), visto que ele teria a incumbência de ensinar seus descendentes sobre o Eterno.
"E disse YHWH: Ocultarei Eu a Avraham o que faço, visto que Avraham certamente virá a ser uma grande e poderosa nação, e nele serão benditas todas as nações da terra? 
Porque Eu o tenho conhecido, e sei que ele há de ordenar a seus filhos e à sua casa depois dele, para que guardem o caminho de YHWH, para agir com justiça e juízo; para que YHWH faça vir sobre Avraham o que acerca dele tem falado.” 
(Bereshit/Gênesis 18:17-19)
E Avraham (Abraão) questiona o Eterno:
"E chegou-se Avraham, dizendo: Destruirás também o justo com o ímpio?” 
(Bereshit/Gênesis 18:23)
No entanto, quando recebe a ordem de sacrificar seu próprio filho, Avraham (Abraão) não apenas se cala, como procura atender prontamente ao chamado. 
No texto que acabou inspirando este estudo, o rabino Hyim Shafner afirma que Avraham (Abraão) teria, na realidade, falhado em seu teste final. Sobre isso, ele diz:"Concluí que nenhum dos caminhos apologéticos era satisfatório e que o verdadeiro teste era para que Abraão confrontasse o Eterno, como ele fez em Sodoma, e assim ensinasse a seus filhos ‘retidão e justiça' e, por fim, dizer ‘não' ao Eterno. Talvez, em certo nível na narrativa da Akedah, Abraão falhou no teste. Eu sugeriria que essa é a razão pela qual o Eterno nunca mais fala a Abraão depois de orderná-lo a sacrificar Isaque como oferta queimada. No fim da história um anjo emissário fala a Abraão - mas onde está o Eterno? Por que o Eterno Não fala diretamente a Abraão?" (Did Abraham Fail his Final 
Test?)
Por que Avraham (Abraão) teria falhado no teste de questionar o Eterno, e se recusar a oferecer tal sacrifício?
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A resposta é: Porque isso era algo tão cotidiano e esperado pelas pessoas de suas divindades que Avraham (Abraão) não considera tal coisa uma injustiça! 
É possível que Avraham (Abraão) pensasse que, se foi o Eterno quem deu a vida a 
Yis'haq, então o Eterno tinha o direito de exigí-lo em sacrifício.
"Então se levantou Avraham pela manhã de madrugada, e albardou o seu jumento, e 
tomou consigo dois de seus moços e Yis'haq seu filho; e cortou lenha para o holocausto, e levantou-se, e foi ao lugar que Elohim lhe dissera. Ao terceiro dia levantou Avraham os seus olhos, e viu o lugar de longe. E disse Avraham a seus moços: Ficai-vos aqui com o jumento, e eu e o moço iremos até ali; e havendo adorado, tornaremos a vós.” 
(Bereshit/Gênesis 22:3-5)
É interessante observar que Avraham (Abraão) omite de seus moços o que estava prestes a fazer, inventando um pretexto de que eles retornariam após adorarem ao Eterno.
"E tomou Avraham a lenha do holocausto, e pô-la sobre Isaque seu filho; e ele tomou o fogo e o cutelo na sua mão, e foram ambos juntos. Então falou Yis'haq a Avraham seu pai, e disse: Meu pai! E ele disse: Eis-me aqui, meu filho! E ele disse: Eis aqui o fogo e a lenha, mas onde está o cordeiro para o holocausto? E disse Avraham: Elohim proverá para si o cordeiro para o holocausto, meu filho. Assim caminharam ambos juntos.” (Bereshit/Gênesis 22:6-8)
O que muitos não percebem nesse trecho da história é que Avraham (Abraão) mentiu para seu filho. De fato, o Eterno acabou provendo um cordeiro, mas até aquele momento Avraham (Abraão) não sabia disso. Tanto que chega ao ponto de amarrar seu filho. 
Em outras palavras, além da abominação de aceitar oferecer seu filho em sacrifício, Avraham (Abraão) ainda o engana, para poder conseguir executar seu plano. Se era ordem do Eterno, inquestionável, por que a necessidade de mentir para Yis'haq (Isaque)?
"E chegaram ao lugar que Elohim lhe dissera, e edificou Avraham ali um altar e pôs em ordem a lenha, e amarrou a Yis'haq seu filho, e deitou-o sobre o altar em cima da lenha. E estendeu Avraham a sua mão, e tomou o cutelo para imolar o seu filho.” 
(Bereshit/Gênesis 22:9-10)
VI - A Intervenção
Infelizmente, percebemos que Avraham (Abraão) ia de fato matar seu próprio filho. 
Mas, aí algo acontece:
"Mas o mensageiro de YHWH lhe bradou desde os céus, e disse: Avraham, Avraham! E ele disse: Eis-me aqui. Então disse: Não estendas a tua mão sobre o moço, e não lhe faças nada; porquanto agora sei que temes a Elohim, e não me retiveste [welo hassakhta - ָּתְכַׂשָח לאְו] o teu filho, o teu único filho.” (Bereshit/Gênesis 22:11-12)
Um ponto importantíssimo para compreender a questão é entender que a a raiz da palavra hassakh, geralmente traduzida como negar, mas que na realidade significar impedir, reter ou restringir.
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Observe a cronologia: 
1) O mensageiro do Eterno brada dos céus.
2) Avraham (Abraão) hesita, e obedece à voz, e para com o sacrifício. 
3) O mensageiro diz que Avraham (Abraão) não reteve seu filho.
Quanto ao primeiro item, existe uma certa controvérsia sobre o que era o mensageiro do Eterno. No pensamento semita, qualquer força na natureza que seja utilizada pelo Eterno para uma finalidade é um malakh, ou mensageiro, por definição.
No Guia dos Perplexos, Rambam (Maimônides) afirma:"Encontramos a confirmação da opinião de que as forças naturais e psíquicas de um indivíduo são chamadas de anjos em uma afirmação de nossos sábios, que é frequentemente citada, e que ocorre originalmente em Bereshit Rabah (capítulo 78): 
“Todo dia, o Eterno cria legiões de anjos: Elas cantam perante Ele, e desaparecem.” 
(O Guia dos Perplexos, Capítulo VI)
Essa parece ser exatamente a opinião de Schrade:
“O domínio da própria contribuição de Abraão à essa decisão, contudo, é agora 
simbolizada pela intervenção de um anjo ao invés do próprio Eterno. O Eterno 
estabeleceu o teste, mas no fim foi Abraão quem, apesar de receber auxílio divino, é responsável pela conclusão revolucionária. Entendo, finalmente, o que era esperado dele, Abraão quebra com a prática pagã da adoração por sacrifício humano.”
(The Akedah Test: What Passes and What Fails - Jewish Bible Quarterly, 2004)
Ou seja, para Schrade, o mensageiro do Eterno foi o próprio processo psíquico de Avraham (Abraão) que, com a ajuda do Eterno, chegou à conclusão desejada.
Outros preferem supor que o mensageiro seja um ente externo. Seja como for, a 
conclusão é a mesma.
A hesitação de Avraham (Abraão), no item 2, parece ir na direção indicada por Schrade, 
isto é, a da compreensão de que ele estava prestes a cometer um ato bárbaro.
Mas, e quanto ao terceiro item, isto é, à mensagem de que o Avraham (Abraão) não reteve seu filho? 
Isso é esclarecido mais adiante quando, passado o calor dos acontecimentos, o 
mensageiro fala novamente:
"Então o mensageiro de YHWH bradou a Avraham pela segunda vez desde os céus, E 
disse: Por mim mesmo jurei, diz YHWH: Porquanto fizeste esta ação, e não me negaste o teu filho, o teu único filho, Que deveras te abençoarei, e grandissimamente multiplicarei a tua descendência como as estrelas dos céus, e como a areia que está na praia do mar; e a tua descendência possuirá a porta dos seus inimigos; E em tua descendência serão benditas todas as nações da terra; porquanto obedeceste à minha voz.” 
(Bereshit/Gênesis 22:15-18)
Muitos entendem que Avraham (Abraão) passou no teste, porque logo em seguida ele recebe uma promessa de que o Eterno faria sua descendência numerosa.
Mas será mesmo que foi isso que ocorreu?
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Para analisar melhor, é preciso observar o contexto da história, e verificar se de fato uma nova promessa foi dada, ou se o Eterno se referia a uma promessa anterior.
VII - Uma Nova Promessa?
“E disse YHWH a Avram, depois que Lot se apartou dele: Levanta agora os teus olhos, e olha desde o lugar onde estás, para o lado do norte, e do sul, e do oriente, e do ocidente;Porque toda esta terra que vês, te hei de dar a ti, e à tua descendência, para sempre. E farei a tua descendência como o pó da terra; de maneira que se alguém puder contar o pó da terra, também a tua descendência será contada.” 
(Bereshit/Gênesis 13:14-16)
Este é o primeiro momento em que o Eterno promete a Avraham (Abraão) que a sua 
descendência seria numerosa. Ele o faz, aparentemente, para confortar Avraham (Abraão) por conta de sua separação de Lot.
É provável que Avraham (Abraão), em não tendo filhos e tendo descido juntamente com seu sobrinho, tinha a expectativa de que seu sobrinho seria aquele que herdaria sua posses, e continuaria a família.
“Então disse Avram: Adonay YHWH, que me hás de dar, pois ando sem filhos, e o 
mordomo da minha casa é o damasceno Eli’ezer? Disse mais Avram: Eis que não me 
tens dado filhos, e eis que um nascido na minha casa será o meu herdeiro. E eis que veio a palavra de YHWH a ele dizendo: Este não será o teu herdeiro; mas aquele que de tuas entranhas sair, este será o teu herdeiro. Então o levou fora, e disse: Olha agora para os céus, e conta as estrelas, se as podes contar. E disse-lhe: Assim será a tua descendência.” (Bereshit/Gênesis 15:2-5)
A promessa do Eterno aqui é reforçada, exatamente porque Avraham (Abraão), já sem Lot e vendo o tempo passar, se indaga se o herdeiro de suas coisas seria seu servo, Eli’ezer. A promessa vem reforçar a que Avraham (Abraão) teria um descendente.
“Sendo, pois, Avram da idade de noventa e nove anos, apareceu YHWH a Avram, e disselhe: Eu sou o El Shadai, anda em minha presença e sê perfeito. E porei a minha aliança entre mim e ti, e te multiplicarei grandissimamente. Então caiu Avram sobre o seu rosto, e falou Elohim com ele, dizendo: Quanto a mim, eis a minha aliança contigo: serás o pai de muitas nações; E não se chamará mais o teu nome Avram, mas Avraham será o teu nome; porque por pai de muitas nações te tenho posto; E te farei frutificar grandissimamente, e de ti farei nações, e reis sairão de ti; E estabelecerei a minha aliança entre mim e ti e a tua descendência depois de ti em suas gerações, por aliança perpétua, 
para te ser a ti por Elohim, e à tua descendência depois de ti… E disse Avraham a Elohim: Quem dera que viva Yishmael diante de teu rosto! E disse Elohim: Na verdade, Sarah, tua mulher, te dará um filho, e chamarás o seu nome Yis'haq, e com ele estabelecerei a minha aliança, por aliança perpétua para a sua descendência depois dele.” (Bereshit/Gênesis 17:18-19)
Mais uma vez, a promessa é confirmada. Desta vez, o Eterno afirma que Avraham 
(Abraão) teria sua descendência em Yis'haq (Isaque) e não em Yishmael (Ismael), como ele anteriormente pensara. 
“E disse a Avraham: Ponha fora esta serva e o seu filho; porque o filho desta serva não herdará com Yis'haq, meu filho. E pareceu esta palavra muito má aos olhos de Avraham, 
 © 2014 Kol haTorah - http://www.kol-hatorah.org - Proibida Reprodução sem Autorização Prévia Mistérios do Tanakh: O Sacrifício de Yis'haq 9 por causa de seu filho. Porém Elohim disse a Avraham: Não te pareça mal aos teus olhos 
acerca do moço e acerca da tua serva; em tudo o que Sarah te diz, ouve a sua voz; porque em Yis'haq será chamada a tua descendência.” (Bereshit/Gênesis 21:10-12)
Avraham (Abraão) por fim é mais uma vez confortado pelo Eterno, quando, devido à 
disputa entre Hagar e Sarah, e aos problemas que Yishmael (Ismael) começava a causar, foi obrigado a despedir Hagar juntamente com seu filho.
Ao ser confortado, o Eterno confirma que Yis'haq (Isaque) seria a descendência pela qual Avraham (Abraão) seria conhecido.
VIII - Conclusão sobre a Promessa
O seguinte, portanto, foi prometido a Avraham (Abraão) nos capítulos anteriores:

O Eterno o abençoaria e o faria frutificar.

Ele seria o pai de muitas nações.

Sua descendência seria numerosa (comparável à areia do mar, ou às estrelas do céu).

Na sua descendência, todas as famílias da terra seriam benditas.

A descendência seria em Yis'haq.
Agora, observe o que o Eterno diz a Avraham (Abraão) logo após o episódio da akedah:
"E disse: Por mim mesmo jurei, diz YHWH: Porquanto fizeste esta ação, e não me 
retiveste [welo hassakhta - ָּתְכַׂשָח לאְו] o teu filho, o teu único filho, que deveras te abençoarei, e grandissimamente multiplicarei a tua descendência como as estrelas dos céus, e como a areia que está na praia do mar; e a tua descendência possuirá a porta dos seus inimigos; E em tua descendência serão benditas todas as nações da terra; 
porquanto obedeceste à minha voz.” (Bereshit/Gênesis 22:16-18)
Nada do que aqui é dito é promessa nova! Tudo isso já havia sido prometido 
anteriormente a Avraham (Abraão), sem qualquer condição!
Não faz sentido, portanto, supor que tais coisas tenham sido prometidas uma 
segunda vez, como prêmio pela obediência de Avraham (Abraão)!
Na realidade, a resposta está na raiz da palavra hassakh, geralmente traduzida como negar, mas que na realidade significar impedir, reter ou restringir.
Ou seja, quando o Eterno diz que Avraham (Abraão) não reteve dele o seu filho, isso significa que Avraham (Abraão) não reteve a promessa que o Eterno havia dado, matando o seu 
filho! Se Avraham (Abraão) tivesse sacrificado seu filho, a promessa do Eterno teria sido tornada nula, uma vez que ele teria impedido Yis'haq de realizar seu potencial perante o Eterno. A promessa da descendência não era genérica, mas sim específica, para Yis'haq. 
Observe que ainda que promessa não é profecia! Avraham (Abraão) poderia ter recusado a oferta do Eterno, e posto tudo a perder caso tivesse incorrido na abominável prática do sacrifício humano.
O restante da passagem, portanto, não é uma bênção, mas sim uma mera constatação: 
Como Avraham (Abraão) não matou Yis'haq, a promessa então não havia sido impedida, e Avraham (Abraão) seria bendito entre as nações da terra.
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IX - A Lição Preciosa
Ao fazer Avraham (Abraão) passar por essa experiência, o Eterno ensinou uma lição valiosa: A vida é o elemento fundamental em Seu plano. 
Nossa descendência é cara e preciosa perante o Eterno. Se incorrêssemos na prática abominável de sacrifício humano, estaríamos impedindo nossa própria descendência de realizar seu potencial. Afinal, somos não apenas família de Avraham Avinu (Abraão, nosso Pai), mas também seus herdeiros.
Infelizmente, não foi sempre que Israel andou segundo os preceitos da Torah. E, por muitas vezes, sacrificou seus filhos aos falsos ídolos das nações. Imagine o leitor quantas gerações, quantas vidas maravilhosas em potencial, não foram extirpadas e eliminadas porque o povo não deu ouvidos ao Eterno!
Talvez dentre esses que foram mortos, haveria pessoas que poderiam ter nos conduzido muito mais cedo à redenção, mas nunca saberemos, porque fomos rebeldes, e fizemos o que é mau aos olhos do Criador.
X - Dureza x Brandura
Alguns ainda vêem como evidência do sucesso de Avraham (Abraão) a falta de uma 
possível exortação do Eterno, ou mesmo de uma punição por sua falha. 
Há duas coisas a considerar, e para isso é preciso avaliar as duas opiniões. Rav Shafner é da opinião de que Avraham (Abraão) teria falhado completamente no teste, e que a ausência de uma punição indicaria uma amoriosidade do Eterno.
Já Schrade é da opinião de que, na realidade, Avraham (Abraão) não falhou totalmente, mas sim teve um êxito final, ao ter o bom senso de parar com o sacrifício, e compreender que sacrifício humano é algo absurdo, e poria a perder tudo que o Eterno havia reservado para ele. 
Se alguém concorda com Schrade, isso pode por si só já explicar uma ausência de 
exortação. Porém, o autor deste material crê que possa haver outra explicação.
Na realidade, não havia razão para que o Eterno punisse Avraham (Abraão) porque esse último era simplesmente um produto do seu tempo. Avraham (Abraão) cresceu num ambiente onde tal prática era aceitável e comum.
O processo do chamado de Avraham (Abraão) foi gradual. Não se leva alguém da idolatria e da barbárie ao monoteísmo ético em um só passo. Avraham (Abraão) precisou passar por provações, para poder aprender sobre a natureza e o caráter de YHWH.
Observe como, noutra situação, Avraham (Abraão) e Sarah também erraram, e mesmo 
assim o Eterno foi paciente:
"E disse Avraham a Elohim: Quem dera que viva Yishmael diante de teu rosto! E disse Elohim: Na verdade, Sarah, tua mulher, te dará um filho, e chamarás o seu nome Yis'haq, 
e com ele estabelecerei a minha aliança, por aliança perpétua para a sua descendência depois dele. E quanto a Yishmael, também te tenho ouvido; eis aqui o tenho abençoado, e fá-lo-ei frutificar, e fá-lo-ei multiplicar grandissimamente; doze príncipes gerará, e dele farei uma grande nação. A minha aliança, porém, estabelecerei com Yis'haq, o qual Sarah dará à luz neste tempo determinado, no ano seguinte.” (Bereshit/Gênesis 17:18-21)
 © 2014 Kol haTorah - http://www.kol-hatorah.org - Proibida Reprodução sem Autorização Prévia Mistérios do Tanakh: O Sacrifício de Yis'haq 11
Quando recebeu a promessa de um descendente, Avraham (Abraão) e Sarah não 
indagaram ao Eterno sobre o que deveriam fazer. Ao invés disso, deram a própria solução ao problema da infertilidade, e optaram por trazer Hagar para a equação.
Esse não era o plano do Criador. No entanto, era prática comum no antigo Oriente Médio. 
Em sendo assim, o Eterno não pune a Avraham (Abraão), mas sim pacientemente o ensina. 
Mesmo tendo Avraham (Abraão) errado, o Eterno ainda assim honra o desejo de Avraham (Abraão) e abençoa Yishmael (Ismael). 
Em outras palavras, a paciência e a amorosidade do Eterno no processo do preparado e 
do ensino de Avraham (Abraão) não deve ser confundida com uma aprovação total, irrestrita, e imediata de todas as atitudes, conceitos ou práticas anteriores.
XI - Conclusão
Como se pode perceber, a leitura de que Avraham (Abraão) tenha, na realidade, falhado no teste do Eterno, nem que parcialmente, tem bastante mérito na Torah.
Assim como a compreensão de que a principal lição a ser aprendida era a do absurdo da prática do sacrifício humano, e do quanto ela na realidade privaria o povo das bênçãos e promessas que o Eterno tem para nós.
Não se deve, contudo, demonizar Avraham (Abraão) apesar de sua determinação de 
sacrificar seu filho. Avraham (Abraão) deve der visto como o ser humano extraordiário que foi, mas ainda assim um ser humano.
Avraham (Abraão) era dotado de uma confiança incrível no Eterno, e fez um caminho que poucos estariam dispostos a fazer, deixando tudo para trás em prol de servir ao Eterno e viver o monoteísmo.
Porém, é inevitável que Avraham (Abraão) fosse um produto do meio em que vivia, e que, como tal, precisava ser refinado e se desapegar de conceitos e práticas que não estavam alinhados com a vontade do Criador.
O principal objetivo de toda a trajetória que o Criador colocou diante de Avraham (Abraão) teve como único propósito ensiná-lo, e guiá-lo a ser uma pessoa melhor, e mais próxima ao Criador. Assim como ocorre com todos aqueles que voltam para a Torah.
Não deve, contudo, haver dúvidas de que a ideia de um sacrifício humano seja abominável aos olhos do Criador, e qualquer teologia que se baseie em tal coisa é horrenda, pagã, e estranha à Torah.
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