sábado, 17 de maio de 2014

O Que Torna um Judeu “Judaico”?

                                


Por Yanki Tauber – Baseado nos ensinamentos do Rebe –
 
Pergunta:
O Judaísmo é uma “religião”? O termo “judeu não-religioso” é uma contradição? Pode alguém ainda ser judeu sem observar os editos e ética da Torá na vida cotidiana?

Resposta:
Os judeus desafiam todas as definições de “povo” ou “nação”. Carecemos de uma raça, cultura ou experiência histórica em comum. Embora todos compartilhemos nossos direitos eternos à Terra de Israel, durante todos, exceto alguns poucos séculos dos últimos 4.000 anos a esmagadora maioria dos judeus não viveu ou sequer colocou o pé no pais judaico.

No decorrer de nossos 3.300 anos de história, o que nos tem definido como judeus é um relacionamento e compromisso. Somos judeus porque D'us nos escolheu para sermos Seu “tesouro querido entre todas as nações… um reino de sacerdotes e um povo sagrado” (Shemot 19:5-6). Somos judeus porque D'us nos escolheu para desempenharmos o papel principal na implementação de Seu objetivo na criação: orientar nossas vidas de acordo com Sua vontade, e desenvolver uma sociedade que reflete Sua bondade e perfeição. 

A substância desse relacionamento, o rumo desse compromisso, é a Torá. A Torá é o conceito de D'us da realidade comunicada ao homem, o projeto que descreve o mundo aperfeiçoado visualizado pelo Criador e detalha a maneira pela qual o Inventor da Vida deseja que seja vivida.

Isso poderia parecer definir nosso Judaísmo como uma “religião”; somos judeus porque aderimos às crenças e práticas ordenadas pela Torá. Porém a própria Torá diz que não é assim.

A Torá proclama (Vayicrá 16:16) que D'us “habita entre eles em meio às suas impurezas” – que Seu relacionamento com Seu povo permanece incólume apesar do comportamento deles. Nas palavras do Talmud (Sanhedrin 44a): “Um judeu, embora tenha transgredido, é um judeu.”

Segundo a Lei da Torá, o Judaísmo de uma pessoa não é uma questão de estilo de vida ou auto-percepção: a pessoa pode estar totalmente não cônscia do próprio Judaísmo e ainda ser um judeu, ou pode considerar-se judeu, observar todos os preceitos da Torá e ainda assim não ser um judeu.

Em outras palavras, é o relacionamento entre o judeu e seu Criador que define seu Judaísmo – não seu reconhecimento da relação ou sua percepção dela na vida diária. Não é o cumprimento das mitsvot (mandamentos Divinos) que faz dele um judeu, mas o compromisso que essas mitsvot representam.

A Essência de uma Transgressão 
Este é o significado mais profundo do axioma “Um judeu, embora tenha transgredido, é um judeu.”

O simples significado dessas palavras é que um judeu ainda é um judeu apesar de suas transgressões. Um não-judeu que come chamets (pão fermentado) em Pêssach nada fez de errado; da mesma forma, se comer matsá na noite do Seder isso não tem importância moral ou espiritual. Porém para um judeu, as mitsvot de Pêssach são um componente de seu relacionamento com D'us: ao observá-las, ele está percebendo este relacionamento e estendendo-o à sua vida diária; se ele as violar, D'us não o permita, ele está transgredindo – está agindo de modo contrário ao compromisso que define sua identidade. Assim, de certo modo, o fato da transgressão de um judeu é não menos uma expressão (embora negativa) de seu relacionamento com D'us que seu cumprimento de uma mitsvá.

Na verdade, a palavra hebraica mitsvá significa tanto “mandamento” quando “conexão”. O relacionamento entre os dois significados da palavra pode também ser entendido em dois níveis. No nível comportamental, nos conectamos a D'us através de nosso cumprimento de Seus mandamentos. Num nível mais profundo, estamos inexoravelmente conectados a Ele em virtude do fato de que Ele nos escolheu como objeto de Seus mandamentos. Obviamente, estes dois níveis de conexão são dois lados da mesma moeda, cada um sendo a mesma verdade: nossa observância das mitsvot é a manifestação, em nossa vida diária, de nosso vínculo intrínseco entre D'us e Israel.

O Elo Com Seis Dimensões 
O Zohar, a obra básica da Cabalá, expressa este conceito da seguinte maneira:

Há três conexões (kishrin) que são ligadas entre si: D'us, a Torá e Israel – cada qual consistindo de um nível sobre um nível, oculto e revelado. Há o aspecto oculto de D'us, e o aspecto revelado; a Torá, também, tem um aspecto revelado e um oculto; e o mesmo ocorre com Israel, que também tem aspectos revelado e oculto.

O Zohar prossegue e descreve a maneira pela qual a Torá serve como o elo entre D'us e Israel: como a Torá é uma com seu Divino Autor, e como o povo judeu se conecta à Torá através de estudo e observância de seus ensinamentos.

Mas quais são os elementos “ocultos” e “revelados” de D'us, da Torá e de Israel? E qual é sua relevância à nossa conexão com D'us através de Sua Torá?

O Zohar diz que essas três “conexões” estão interligadas em dois níveis, tanto no plano “oculto” quando no “revelado”. Pois cada um dos três elos interconectados possui tanto uma dimensão explícita quanto uma implícita.

Existe o assim chamado aspecto “revelado” de D'us – aquelas expressões de Sua realidade que Ele escolhe manifestar na existência criada; e há Sua essência “oculta, incognoscível. O judeu, também, tem seu ser revelado e manifesto – a maneira pela qual ele se expressa através de seu comportamento, e seu ser oculto, quintessencial. E a Torá, como foi delineado acima, tem tanto um significado mais pronunciado quanto um mais implícito como o elo que conecta D'us e Israel.

No plano “oculto”, a alma do judeu é ligada à própria essência de D'us através do relacionamento subjacente e o compromisso que a Torá representa. Mesmo se a vida do judeu, no nível comportamental consciente, for inconsistente com a vontade revelada do Todo Poderoso, ele não é “menos” judeu, D'us não o permita; seja como for, o vínculo intrínseco que define seu Judaísmo não é afetado. Porém para expressar esse relacionamento em todos os níveis de seu ser, a fim de alinhar sua vida com a sua essência, o judeu deve reiterar a conexão no nível “revelado”. Ele/ela faz isso estudando a Torá de D'us e cumprindo suas mitsvot.

A Terceira Junção
Há, no entanto, um significado ainda mais profundo nas palavras do Zohar.

A passagem acima citada fala de “três conexões que estão ligadas entre si”. A palavra aramaica traduzida aqui como “conexões” é kishrin, que literalmente significa “nós”.

À primeira vista, este parece ser um uso pouco acurado. Se a Torá é o elo entre D'us e Israel, então o que temos são três entidades (D'us, Torá e Israel) ligadas através de duas conexões (a conexão de Israel à Torá e a conexão da Torá com o Todo Poderoso). Onde temos três nós/conexões?

Isso nos leva a uma segunda definição das dimensões “oculta” e “revelada” do relacionamento entre D'us e Israel. O Midrash declara:

Duas coisas precederam a criação do mundo feita por D'us: Torá e Israel. Apesar disso, eu não sei qual precedeu qual. Porém quando a Torá declara “Fala com os Filhos de Israel…” , “Ordena aos Filhos de Israel…” e assim por diante, eu sei que Israel precedeu tudo (Tana D'vei Eliyahu Rabba, cap. 14).

Em outras palavras, D'us criou o mundo para que Israel pudesse implementar Seu plano Divino para a existência, conforme delineado na Torá. Portanto os conceitos de “Israel” e “Torá” ambos precedem o conceito de um “mundo” na “mente” do Criador. Porém qual é a ideia mais profundamente enraizada dentro da consciência Divina, Torá ou Israel? Israel existe para que a Torá seja implementada, ou a Torá existe para servir ao judeu no cumprimento de sua missão e na expressão de seu relacionamento com D'us? Se a Torá descreve a si mesma como uma comunicação com Israel – o Midrash assim diz – isso presume o conceito de “Israel” como anterior àquele da “Torá”.

Isso significa que o relacionamento com Israel “pré-data” a Torá (no sentido conceitual), pois a Torá vem para servir àquele relacionamento. Neste sentido,, Israel é o “elo” entre a Torá e D'us: a existência da Torá como incorporação da Divna sabedoria e vontade é um resultado da existência de Israel e sua conexão com D'us.

Assim, temos três conexões ligando D'us, Israel e a Torá.

No nível revelado, a Torá serve como o elo entre D'us e Israel; a Torá está conectada a D'us, e Israel é comectado à Torá. (Isso inclui ambos os níveis de conexão delineados acima – a conexão atingida através do cumprimento de uma mitsvá e a conexão definida pelo compromisso em si).

Porém num nível mais profundo, quintessencial, existe uma terceira conexão: a conexão “direta” entre D'us e Seu povo que precede o próprio conceito de uma Torá. Nesse nível, o envolvimento de Israel na Torá é o que conecta a Torá a D'us – o que O faz estender Seu ser infinito e indefinível num meio de “Divina Sabedoria” e “Divina Vontade”. Nesse nível, não é o judeu que precisa da Torá a fim de ser um com D'us, mas a Torá que “precisa” do judeu para evocar o desejo de D'us projetar-Se através da Torá.

Apesar disso, a Torá é crucial para o relacionamento do judeu com D'us. A essência do judeu, como está enraizada dentro da essência de D'us, é de fato uma com sua Fonte. Porém então ela “desce” para se tornar parte da existência criada, assumindo uma identidade distinta como alma e então como ser humano. Portanto D'us dotou o judeu com Sua Torá. Através da Torá, o judeu faz contato com o seu ser quintessencial e faz seu vínculo intrínseco com seu Criador uma realidade em sua vida diária.

   

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