sábado, 16 de julho de 2016

Além de Nossa Compreensão

   

 Por Eli Touger

O termo Chukim se refere àquelas mitzvot cujo fundamento lógico não pode ser compreendido pelo intelecto humano. Dentro desta categoria, entretanto, as leis da Vaca Vermelha se destacam como especiais. Assim, o Midrash1cita o Rei Salomão (sobre quem está escrito2: “E Shlomo foi mais sábio que todo homem na face da terra”): Eu fui capaz de compreender todas as [outras passagens difíceis da Torá], mas, em relação à passagem da Vaca Vermelha, eu perguntei e eu procurei; “Eu disse: ‘Eu me tornarei sábio’, mas eu [vi] que isto estava distante de mim”.3
De fato, foi somente em relação a Moisés que o Midrash4afirma: “O Santo, bendito seja Ele, disse a Moisés: ‘Para ti [somente] eu revelarei a lógica da Vaca Vermelha’”.
Por um lado, essas citações indicam que as leis da Vaca Vermelha não transcendem inteiramente os domínios do intelecto, pois a Moisés foi concedido um entendimento de sua lógica. Todavia, a explicação obviamente transcende o conhecimento comum e, assim, não podia ter sido percebido por Shlomo, nem Moisés a comunicou aos outros5. De fato, mesmo a apreciação de Moisés não veio como um resultado de seus próprios poderes de compreensão. Como o Midrash afirma6: “É um chukat, um decreto que Eu ordenei. Nenhum ser criado é capaz de compreender Meus decretos”.
Por que Moisés foi capaz de captar essa lógica? Porque a ele foi concedido um dom especial de D'us. D'us é onipotentemente capaz de fundir transcendência com limitação e foi por virtude dessa onipotência que Moisés foi capaz de apreciar a explicação.

Tocar a Essência da Torá

Surge a questão: Por que a resposta foi dada somente a Moisés? Se apreciar a lógica da Vaca Vermelha pudesse nos ajudar em nosso serviço Divino, por D'us ou Moisés não a compartilharam com os outros?
A resposta depende de observarmos a natureza da Torá. A Torá é uma com D'us 7, uma expressão de Sua vontade essencial. Portanto, assim como Sua vontade está acima da compreensão intelectual, também está a Torá. Entretanto, D'us deu a Torá aos mortais, não porque Ele deseja sua obediência, mas porque Ele está preocupado com o seu bem-estar. Ele quer que o homem desenvolva uma conexão com Ele e, para que aquela conexão seja internalizada na compreensão do homem, então a sabedoria Divina se torna parte de sua composição. E, com esta intenção, Ele revestiu a Torá com uma estrutura intelectual.
Esta dimensão intelectual é, entretanto, meramente uma extensão da Torá. A essência da Torá permanece Divindade transcendental e não pode ser contida dentro de quaisquer limites, mesmo os limites do intelecto. Para se relacionar a esta essência, o homem deve se aproximar da Torá com um compromisso que transcende a sabedoria ou a lógica.
Para enfatizar esta dimensão, foi necessário que pelo menos uma parte da Torá permanecesse inteiramente acima da compreensão intelectual. Esta é a passagem que descreve as leis da Vaca Vermelha. Essas leis, que transcendem nosso entendimento, nos ajudam a entender que toda a Torá, em sua essência, também está além de nossa compreensão. Isto, por sua vez, aumenta nossa sensibilidade ao seu núcleo interior Divino.
Tivesse sido toda a Torá revestida pela razão, o homem seria motivado a confiar em seu próprio entendimento e teria dificuldade em se elevar a um desafio que requer mesirus nefesh, auto-sacrifício. De fato, limitar nosso comprometimento espiritual à esfera intelectual, encorajaria a inclinação natural e material do homem. Haveria uma tendência de seguirmos nossos desejos e de racionalizarmos nossa conduta, mesmo quando eles estivessem faltando8. Sem assumir um compromisso ilimitado com a Torá, o homem não seria capaz de se relacionar à sua ilimitada verdade.
As leis da Vaca Vermelha, entretanto, nos enchem com uma consciência da natureza ilimitada da Torá, incentivando-nos a nos devotarmos inteiramente à Torá, tanto à sua observância, quando ao seu estudo9. Tornar-se consciente da natureza Divina interior da Torá desperta a natureza Divina interior de nossas almas, permitindo-nos desenvolver uma ligação mais completa com Ele.
Para ressaltar a especial contribuição representada pelas leis da Vaca Vermelha, a Torá se refere a elas como chukas haTorah (“o decreto da Torá”) 10, em vez de chukas haporah (“o decreto da Vaca [Vermelha]”)11. O uso da primeira expressão enfatiza que nossa conexão com toda a Torá depende de um comprometimento que transcende o intelecto.

Um Ego Abnegado

Esta resposta, entretanto, leva a uma outra questão. Se considerar as leis da Vaca Vermelha como um chok é essencial à nossa abordagem da Torá, por quê D'us revelou sua lógica a Moisés? De acordo com o raciocínio acima, isto diminuiria o comprometimento do Moisés.
Para resolver este enigma, nós devemos concluir que a explicação para chok não foi dada de uma forma que pudesse ser alcançada pelo intelecto de Moisés. Em vez disto, a vontade essencial de D'us foi revelada dentro do pensamento de Moisés. Aquilo que não pode ser entendido se torna, assim, a pedra fundamental de seus poderes intelectuais.
Explicando: Moisés representava a personificação de chochmá, geralmente traduzida como “sabedoria”. Mas, existe uma diferença entre chochmá e nosso conceito comum de sabedoria.
Toda conceitualização é composta de dois elementos: a) a própria ideia, e b) o processo de abrirmos a nós mesmos para aquela ideia, progredindo para além da nossa forma prévia de pensamento. chochmá está relacionada ao segundo elemento e, assim, é identificada com bittul, existência abnegada12. Este bittul faz da chochmá um recipiente apropriado para o Ein Sof, o infinito de D'us13. E este processo espiritual de fazer o Ein Sof repousar dentro da chochmá é o que aconteceu quando D'us tornou conhecido por Moisés o raciocínio para as leis da Vaca Vermelha.
Por este motivo, conhecer o raciocínio não afastou do comprometimento de Moisés. Diferentemente de outros mortais, Moisés não tinha uma auto-imagem separada, individual; ele viu a si mesmo somente como um meio de expressão da Verdade de D'us. Mesirus nefesh foi a essência de sua natureza e, por isso, nunca podia ser diminuída.
Na Era da Redenção, o Mashiach oferecerá a décima Vaca Vermelha, purificando primeiro os sacerdotes e, através deles, toda nação14. E, então, nós prosseguiremos em nosso serviço Divino para a época quando a purificação do contato com os mortos, possibilitada pela cerimônia da Vaca Vermelha, não mais será necessária. Pois “Ele engolirá a morte por toda a eternidade” e a Divindade, a fonte de toda a vida, será abertamente revelada durante toda a existência.
NOTAS
1.
I Reis 5:11.
2.
2. Eclesíastes 7:23.
3.
3. Loc. cit.:6; Midrash Tanchuma, seção. 8.
4.
4. Além disso, nós encontramos que pilpulei d’oraisa, o processo do raciocínio didático pelo qual a Lei Oral é explicada, também foi dada a Moisés como um presente de D'us. Neste caso, entretanto, Moisés ensinou este método a todo o Povo Judeu (Nedarim 38a). O fato de que ele não ensinou A lógica da Vaca Vermelha indica, assim, que ele não era não era capaz, já que isto representa um nível intelectual inacessível aos outros.
5.
5. Koheles Rabbah 8:1 (5).
6.
6. Zohar I, p. 24a; Tanya, cap. 4
7.
7. Ver o comentário do Rambam (Shemot 19:2) que fala sobre a possibilidade de ser “um degenerado com uma licença da Torá”.
8.
8. Ver o ensaio anterior, intitulado “Real Growth”, que explica como a apreciação de Bechukosai da dimensão de chukim na Torá nos inspira a “nos ocuparmos do estudo da Torá”, para aplicarmos a nós mesmos de forma árdua, além dos nossos limites comuns.
9.
9. Bamidbar 19:2.
10.
10. Em referência às leis do sacrifício de Pessach, por exemplo, está escrito (Shemot 12:43): “Esta é chukas haPesach (o decreto do sacrifício de Pessach)”.
11.
11. Ver Tanya, cap. 3.
12.
12. Tanya, cap. 35.
13.
13. Rambam, Mishneh Torah, Hilchos Parah, conclusão do cap. 3..
14.
14. Yeshayahu 25:8.

POR ELI TOUGER

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