segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Qual é a Origem da Cabalá e da Chassidut? Por Rabino Itzchak Guinsburgh

                             


                                                

Do momento de sua revelação no Monte Sinai, a dimensão oculta da Torá, a Cabala, era conhecida somente pelos sacerdotes e profetas. Entretanto, depois que o poder da profecia cessou e o Templo de Jerusalém foi destruído, uma nova era surgiu. Por volta do ano 3860 da criação do mundo (ano 100 da Era Comum), ao Rabi Shimon Bar Yochai – também conhecido pelo acrônimo Rashbi – foram dados o poder e permissão Celestiais para revelar aos seus discípulos a sabedoria oculta da Cabalá.
Ele explicou as funções individuais das emanações da luz Divina – as dez sefirot (níveis da alma) – e como as sefirot se manifestam em cada versículo da Torá e em cada fenômeno da natureza. Seus ensinamentos estão contidos no grande texto clássico da Cabalá, o “Livro da Luminosidade”, mais comumente conhecido como Zohar.
Durante cerca de mil anos após o falecimento de Rabi Shimon Bar Yochai, os ensinamentos do Zohar eram passados de um cabalista a outro, compartilhado em cada geração por poucos seletos estudantes considerados dignos de preservarem sua transmissão.
A partir do ano 5000 da criação do mundo (13º século EC) que o Zohar foi disseminado para um grupo maior. Naquela época, na Espanha, o Rabi Moses de Leon começou a tornar público o texto do Zohar. Entretanto poucos podiam compreender seus ensinamentos. Pelos próximos 250 anos, muitos cabalistas tentaram prover uma estrutura conceitual na qual pudessem incluir as lições com associações livres e altamente simbólicas do Zohar. Ninguém obteve tanto sucesso como o grande estudioso talmúdico e cabalista, Rabi Moshe Cordovero de Safed, que nasceu no ano de 5285 da criação do mundo (1522 EC), mais conhecido como Ramak. O objetivo de Ramak era o de sistematizar de forma racional todo o pensamento cabalista até o seu tempo, em particular os ensinamentos do Zohar.
Em sua obra magna, o Pardes Rimomim (“O Pomar das Romãs”), o Ramak demonstrou a unidade subjacente da tradição cabalística ao organizar os vários – por vezes, aparentemente contraditórios – ensinamentos da sabedoria oculta em um sistema coerente.
O núcleo do sistema de Ramak consiste de uma detalhada descrição de como D’us, o Criador, por meio das dez sefirot, desenvolveu a realidade finita a partir da extensão exclusiva da Luz Divina infinita referida como Or Ein Sof (“Luz Infinita”).
Quase imediatamente após a morte de Ramak, Rabi Isaac Luria, nascido no ano 5294 da criação do mundo (1534 EC), popularmente conhecido como o Arizal ou Ari, começou o próximo estágio na revelação da Cabalá. O Ari nasceu em Jerusalém, porém, ainda jovem, mudou-se para o Egito onde rapidamente se estabeleceu como um prodígio no Talmud. Introduzido nos segredos da Cabalá por um de seus mentores, ele freqüentemente passava extensos períodos de tempo meditando sozinho. Durante uma de suas experiências visionárias, o Ari foi instruído pelo Profeta Elias para retornar à Terra de Israel, onde, na cidade de Safed, encontraria aquele destinado a se tornar seu principal discípulo e expoente.
De acordo com a tradição, o Ari chegou a Safed no mesmo dia do funeral de Ramak. Juntando-se ao cortejo, ele visualizou uma coluna de fogo sobre o caixão – um sinal, de acordo com a Cabalá, de que alguém é destinado a herdar o manto de liderança do falecido.
O Ari pacientemente esperou por meio ano sem fazer qualquer proposta até que, aquele destinado a ser seu discípulo, Rabi Chaim Vital, nascido no ano 5303 da criação do mundo (1543 EC), se apresentasse para o aprendizado. O Ari somente viveu por mais dois anos (falecendo aos 38 anos de idade), mas, naquele curto período de tempo, foi capaz de revelar um caminho e uma profundidade totalmente novos no estudo da Cabalá. Tão completos foram suas ideias que, até hoje, o estudo da Cabalá é virtualmente sinônimo de estudo dos escritos do Ari.
No centro do sistema do Ari está uma descrição radicalmente nova da evolução da realidade. Diferente de Ramak, que viu forças autônomas adiantando linearmente a evolução da criação, o Ari viu uma constelação de forças em ativo diálogo entre si em todo estágio daquela evolução. Ele descreveu as sefirot não como pontos unidimensionais, mas como partzufim (“personalidades”) complexas e interagindo dinamicamente, cada uma com uma característica humana simbólica.
De acordo com o Ari, as forças criativas continuam a interagir com a realidade, respondendo continuamente à forma como os seres humanos administram o eterno conflito entre bem e mal. Desta forma, o impacto das ações humanas nas sefirot – que canalizam a energia Divina para o mundo – podem tanto facilitar quanto impedir o avanço da criação no sentido do seu pretendido estado de perfeição.
Subseqüente ao Ari, houve mais uma personalidade que inspirou uma mudança qualitativa na evolução do pensamento cabalístico. Ele foi Rabi Yisrael Baal Shem Tov, popularmente conhecido como Baal Shem Tov.
Nascido na província de Podólia no oeste da Ucrânia no ano de 5458 da criação do mundo (1698 EC), o Baal Shem Tov devotou seus primeiros anos de vida ajudando a aliviar a aflição física e espiritual de seus concidadãos judeus, enquanto, ao mesmo tempo, mergulhava nos mistérios da Cabalá com uma fraternidade de místicos, os Nistarim. No ano de 5494 (1734 EC), ele se revelou como cabalista e acabou por fundar um movimento popular que pretendia revigorar as vidas espirituais dos judeus por toda a Europa Oriental. Este movimento, que passou a ser conhecido como Chassidut (“Chassidismo”), era internamente baseado na antiga tradição doutrinária da Cabalá, enquanto, externamente, dava nova ênfase ao serviço a D’us de forma simples e alegre, particularmente através da oração e atos de amor e de bondade e acessível a todas as camadas da comunidade judaica.
Foram os discípulos do Baal Shem Tov, particularmente o Rabi Schneur Zalman de Liadi, nascido no ano 5505 da criação do mundo (1745 EC), o autor do Tanya (“Estudos”) e fundador da escola Chabad da Chassidut, que trouxeram à luz os profundos entendimentos do Baal Shem Tov sobre o pensamento cabalístico. No pensamento chassídico, a fórmula abstrata e freqüentemente impenetrável da Cabalá clássica é reformada nos termos psicológicos da experiência humana.
Pelo uso da própria experiência oculta do indivíduo como um modelo alegórico para o entendimento dos mais profundos mistérios do universo, a Chassidut foi capaz tanto de elevar a consciência do judeu comum como de expandir o território conceitual do pensamento cabalístico.
É um comum erro de concepção a ideia de que a Chassidut é um movimento que existe fora do fluxo formal da Cabalá. De fato, não somente o Baal Shem Tov influenciou o pensamento cabalístico, mas ele o levou ao seu ápice histórico, tanto em termos de seu refinamento conceitual quanto em seu grau de influência sobre as vidas dos Judeus comuns. Já foi dito que se a Cabalá é a “alma da Torá”, então a Chassidut é a “alma dentro da alma”.

Tradução: Maurício Klajnberg

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