O jejum do 17º dia do mês hebraico de Tamuz é o início de um período de três semanas de luto pela destruição de Jerusalém e a queda dos dois Templos Sagrados. Lembra cinco eventos trágicos ocorridos nessa data. O primeiro deles foi o fato de Moshé ter quebrado as Tábuas dos Dez Mandamentos, quando, ao descer do Monte Sinai, viu o Povo Judeu reverenciar o Bezerro de Ouro.
Edição 92 - Julho de 2016
O episódio do Bezerro de Ouro é uma das passagens mais desconcertantes da Torá. Como foi possível que apenas 40 dias após a Revelação Divina no Sinai, o Povo Judeu escolhesse um bezerro de ouro – um objeto inanimado – para tomar o lugar de D’us?
Nossos Sábios ofereceram diferentes explicações.
Rashi, comentarista clássico da Torá, com base no Midrash, escreve que todo o incidente foi instigado pelos egípcios que se juntaram aos judeus por ocasião do Êxodo.
Os egípcios eram idólatras que adoravam animais; portanto, não surpreende que tenham levado os judeus a produzir e adorar o bezerro de ouro. O pecado dos judeus foi terem-se deixado influenciar pelos egípcios. Segundo o Talmud, o episódio do Bezerro de Ouro é inexplicável; foi um produto da Divina Providência. Aconteceu para nos ensinar que até mesmo a geração conduzida por Moshé, que recebeu a Torá e mereceu a Revelação Divina no Sinai, era falível. Eles erraram, ensina o Talmud, para que nenhum judeu mais se sinta abatido por seus pecados. Pois, se D’us perdoou o pecado do Bezerro de Ouro, Ele certamente concederá expiação por qualquer pecado que qualquer um de nós venha a cometer contra Ele.
Rabi Moshe ben Nachman, Nachmânides, oferece outra explicação para o episódio, dizendo que o Bezerro de Ouro não visava a substituir D’us, mas Moshé. Sua explicação se origina da simples leitura do versículo: “Faze-nos deuses que irão adiante de nós, porque a este Moshé, o homem que nos fez subir da terra do Egito – não sabemos o que lhe aconteceu” (Êxodo 32:23). Lembremo-nos que imediatamente após a Revelação no Sinai – quando D’us Se revelou explicitamente a todo o Povo Judeu e proclamou os Dez Mandamentos – Moshé subiu ao Monte Sinai. E lá permaneceu durante 40 dias e 40 noites, estudando Torá diretamente com o Próprio D’us. Em sua ausência - e apenas por causa de sua ausência – o Povo Judeu construiu o Bezerro de Ouro. Isso é evidente, pois quando ele retorna do Monte e destrói essa estátua, o povo não protesta. Se os judeus tivessem realmente sentido que Moshé destruía seu deus, eles teriam intercedido para evitá-lo. Ou, ao menos, teriam protestado vigorosamente. E não o fizeram. Quando Moshé retornou, eles já não precisavam do Bezerro de Ouro e não lhes importou que ele o tivesse destruído.
A explicação de Nachmânides é particularmente lúcida. Revela que o Povo Judeu fez o Bezerro de Ouro porque sentia a necessidade de algo físico com que se relacionar a D’us. Moshé, um ser humano, criatura física, servia a esse propósito. Quando ele se ausentou por 40 dias e o Povo acreditava que ele tivesse morrido no Monte Sinai, eles decidiram encontram um substituto para ele.
Pode-se compreender por que o povo buscava algo físico para substituir Moshé. Nós, seres humanos, vivemos em um mundo material. Até o mais espiritual dentre nós habita este mundo físico e tem necessidades físicas. Todos os seres humanos têm uma necessidade inata por algo tangível. Funcionamos guiados por nossos sentidos físicos. É muito difícil relacionar-se com algo que não se pode ver, ouvir, tocar ou com quem falar. É, portanto, mais fácil relacionar-se com seres físicos do que com D’us. Não podemos ver D’us. Isso está muito claro e não apenas porque D’us é despido de tudo o que é físico, mas também porque, como o afirma a Torá, um ser humano não pode ver D’us e continuar vivo. É verdade que o Povo Judeu testemunhou a Revelação Divina no Sinai, mas a experiência foi tão devastadora que eles pediram a Moshé que dali em diante D’us apenas Se revelasse a ele, e que ele transmitisse Suas mensagens a eles. Nossos Sábios ensinam que quando D’us proclamou os Dez Mandamentos, a alma dos judeus deixou seus corpos e Ele teve que ressuscitá-los.
Por isso a experiência foi tão devastadora para eles.
Ademais, D’us não trava diálogos conosco e, à exceção de Moshé, mesmo os profetas não tinham acesso livre a Ele. Certamente, há muitas maneiras de D’us se comunicar com cada um de nós. Os místicos ensinam que tudo que ocorre na vida de uma pessoa é D’us se comunicando com essa pessoa. D’us está sempre falando conosco, mas nem sempre Sua mensagem é clara. D’us também fala conosco por meio da Torá, mas tantos de nós interpretamos errado Suas palavras. A vida é cheia de perguntas e precisamos de respostas claras; oramos a D’us e sabemos que Ele nos ouve, mas a oração é um monólogo. É muito raro D’us fornecer uma resposta imediata a nossas preces ou uma resposta a uma pergunta nossa. Se pudéssemos nos comunicar com D’us como fez Moshé – se pudéssemos falar com Ele “olho no olho, como um homem que fala com seu amigo” – tudo seria bem simples. A vida seria bem mais fácil para todos nós. Mas não ouvimos a voz de D’us, pelo menos não claramente. Somos instruídos a “Atrás do Eterno, vosso D’us, andareis” (Deuteronômio 13:5), e nos voltamos à Torá e aos ensinamentos de nossos Sábios em busca disso, mas o que encontramos são mandamentos e instruções gerais. Consequentemente, as pessoas estão sempre buscando algo ou alguém para lhes dar respostas mais claras e mais específicas a suas perguntas e problemas. É por isso que tantos judeus correm aos rabinos e aos místicos que possuem Ruach HaKodesh – o “Espírito Sagrado”, uma forma mais sutil de profecia. É por isso que os judeus no deserto eram tão dependentes de Moshé. Ele era o mais poderoso de todos os profetas – ele podia falar com D’us a qualquer hora e as mensagens que D’Ele recebia eram claríssimas. Se alguém precisasse perguntar algo a D’us, bastava dirigir-se a Moshé.
O Zohar, obra fundamental da Cabalá, ensina que a Shechiná – a Presença Divina no mundo – falava pela garganta de Moshé (Raaya Mehemna, Pinchas 232a). Moshé não apenas era profeta de D’us, mas o meio físico por meio do qual D’us se comunicava claramente com o Povo Judeu. No Monte Sinai, D’us deu as Tábuas nas quais foram gravados os Dez Mandamentos, mas foi Moshé quem ensinou toda a Torá – todos os 613 mandamentos e suas ramificações – durante a jornada de 40 anos pelo deserto. Ele foi o líder e o mestre do povo, e o porta voz de D’us. Quando Moshé ascendeu ao Monte Sinai, o Povo Judeu sentiu-se como uma criança abandonada por seus pais. Temiam que nem mesmo o irmão mais velho de Moshé, Aaron, um grande profeta por mérito próprio, tivesse condições de substituí-lo. Pois, de fato, nunca houve nem haverá tão grande profeta como Moshé, inigualável e insubstituível. Alguns comentaristas da Torá inferem que o povo optou pelo bezerro de ouro em vez de Aaron, para substituir Moshé, porque um objeto, diferentemente de um ser humano, não morre nem desaparece. Um objeto não sobe uma montanha, deixando seu povo a esperar, sem saber se ele algum dia retornaria.
Assim sendo, o pecado do Bezerro de Ouro não é tão simples como muitos o julgam. O Povo Judeu não criou uma estátua de um bezerro por ter optado seguir uma estátua em vez de seguir o Todo Poderoso, que havia feito tantos milagres para eles, libertando-os do Egito, revelando-se diante deles no Monte Sinai e proclamando os Dez Mandamentos. Ao contrário, na ausência de Moshé, eles buscaram algum tipo de substituto para continuarem conectados a D’us. O pecado do Bezerro de Ouro foi consequência direta do fato do povo não ter acreditado que poderiam se relacionar diretamente a D’us. Acreditavam ser necessário um intermediário – algo tangível para poder se relacionar com D’us – Aquele que é totalmente despido de fisicalidade.
Assim sendo, o pecado do Bezerro de Ouro não foi um ato de clara rebelião contra D’us. Tampouco foi uma negação a D’us. Não foi um ato de adultério espiritual, no qual o Povo Judeu tivesse traído D’us por uma estátua de ouro. Foi um erro deplorável oriundo de conceitos errados sobre o relacionamento errôneo entre o homem físico e D’us Infinito.
Por que, então, o pecado do Bezerro de Ouro é considerado um incidente tão notório na História Judaica? Por que Moshé teve que orar em prol de seu povo, durante 120 dias, para evitar que D’us os aniquilasse? Para responder a essas perguntas, é preciso examinar não apenas o que o Bezerro de Ouro estava destinado a ser, mas o que realmente acabou se tornando.
O Bezerro de Ouro e a Serpente de Cobre
O episódio do Bezerro de Ouro se iniciou com o pedido do povo para celebrar “uma Festa para o Eterno (que) será amanhã!” (Êxodo 32:5). Na ocasião dessa festa, fizeram um objeto religioso simbólico. O Bezerro de Ouro tinha a intenção de ser simbólico, mas no final não foi o que aconteceu. Aos poucos, foi-se tornando pura idolatria. A princípio, seu propósito era ser um tipo de substituto para Moshé – uma forma de comunicação com D’us, mas se tornou um objeto de adoração. A “Festa para o Eterno”, destinada a ser uma cerimônia religiosa, acabou sendo uma celebração descontrolada e uma orgia. De repente, o Bezerro de Ouro deixou de ser substituto para Moshé – uma ideia muito tola, no entanto relativamente inofensiva, mas um objeto de idolatria, que o povo imediatamente se pôs a adorar.
Maimônides ensina que é exatamente assim que a idolatria se desenvolveu. A seu ver, a humanidade a princípio acreditava na unicidade de D’us, mas, a certo ponto, o homem começou a se relacionar com os “intermediários” mais do que com o próprio D’us, até que finalmente o ponto central foi totalmente esquecido e o povo começou a se concentrar exclusivamente nos “intermediários” (Leis da Idolatria 1:1-2).
Vale a pena contrastar o pecado do Bezerro de Ouro com outro episódio no deserto que também envolveu a confecção de um objeto com a forma de um animal – a Serpente de Cobre. No 40º ano de sua permanência no deserto, os judeus reclamaram sobre o Maná, o Pão Celestial, que era a sua dieta no deserto. D’us viu isso como uma profunda ingratidão e mandou serpentes para atacar os reclamantes. Moshé orou em seu nome e D’us o instruiu a criar uma serpente de cobre e a colocar no alto de um poste. “Todo aquele que for picado, olhando para ela, viverá” (Números 21:5-9).
Como no episódio do Bezerro de Ouro, foi feita uma estátua de uma criatura viva. A Serpente de Cobre visava a servir a um propósito religioso: fazer ver ao Povo Judeu que D’us era a fonte tanto de suas aflições quanto de sua cura. Contudo, ao contrário do Bezerro de Ouro, a confecção da Serpente de Cobre não foi uma ideia do povo, nem de Moshé, mas um mandamento de D’us. E aqui reside uma das diferenças fundamentais entre o Bezerro de Ouro e a Serpente de Cobre – entre a idolatria e o mandamento Divino: sua origem. Quando os símbolos religiosos ou ritos são criados pelo homem, podem facilmente levar a graves erros rituais e à idolatria. Mas, por outro lado, quando se originam do Divino, servem para levar o homem mais próximo a D’us. O Bezerro de Ouro levou à morte e à destruição – à quase aniquilação do Povo Judeu – ao passo que a Serpente de Cobre salvou a vida daqueles que tinham sido mordidos pelas serpentes.
No entanto, mesmo a Serpente de Cobre, que era um produto de uma ordem de D’us, representou um risco - a possibilidade de que o Povo Judeu a idolatrasse. A origem da idolatria é a crença em qualquer poder que não depende de D’us. Como pergunta o Talmud, no Tratado Rosh Hashaná: “Uma serpente mata ou mantém a vida?”. O Talmud responde que, na realidade, a Serpente de Cobre não fez nenhum dos dois. Apenas fez lembrar ao Povo Judeu que erguesse seu olhar a D’us e orasse para que Ele o curasse.
Isso nos leva à pergunta: será que essa Serpente era realmente necessária? Não poderiam orar a D’us sem a necessidade de um objeto físico? A resposta, novamente, é que aparentemente é muito difícil as pessoas voltarem seus pensamentos a D’us na ausência de algo tangível. Vale ressaltar que a Serpente de Cobre erguida por Moshé acabou sendo idolatrada, muitos anos após sua construção, por certos judeus, que erroneamente julgaram que ela possuía poderes curativos. Isso levou o Rei Hezekiá de Judá (6o século AEC) a destruir essa serpente (V. Reis II, 18:4).
No momento em que o Povo Judeu começou a acreditar que tinha sido a Serpente de Cobre, e não D’us, quem os curara, foi necessário destruí-la. Seu propósito foi servir como foco para que o povo voltasse seus pensamentos ao Eterno: foi por isso que D’us ordenou que fosse colocada no alto de um poste. Quando, em vez de usar um ponto tangível como meio de olhar para os Céus, o povo começou a atribuir poderes independentes à Serpente de Cobre, esta se tornou uma fonte potencial de idolatria e derrocada espiritual, ainda que tivesse sido construída atendendo a uma ordem Divina.
Os incidentes do Bezerro de Ouro e da Serpente de Cobre oferecem muitas lições. Uma particularmente relevante é que é D’us – e não o homem – quem decide como Ele deve ser adorado. O incidente do Bezerro não foi apenas um episódio infeliz na história de nosso povo; é uma lição também para os nossos dias. Precisamos seguir D’us e nos relacionar diretamente com Ele ainda que seja difícil fazê-lo - ainda que não haja um Moshé para nos dizer exatamente o que fazer. A última coisa que devemos fazer é criar novos símbolos ou mandamentos religiosos – adulterar a Torá – ainda que o façamos com a melhor das intenções, visando a realizar uma “Festa para o Eterno”. Não cabe ao homem decidir o que agrada a D’us. O homem finito jamais pode alcançar o Infinito. Somente D’us Infinito pode vencer a distância entre Ele Próprio e Suas Criaturas. Portanto, não construímos “bezerros de ouro” – e tudo o que estes representam e simbolizam. Pelo contrário, fazemos “serpentes de cobre”: seguimos as leis e mandamentos de D’us. Mas precisamos sempre estar cientes de que mesmo essas “serpentes de cobre” podem ser uma fonte de idolatria e graves erros espirituais se nos esquecermos de que são apenas o meio para se chegar a um fim. Como ensinou certa vez o grande Mestre Chassídico, o Rabi Menachem Mendel de Kotsk: “Às vezes uma Mitzvá (um mandamento religioso) se torna uma idolatria”.
Das alturas mais elevadas aos abismos mais profundos
Não foram apenas a ausência de Moshé ou os erros teológicos do Povo Judeu e suas concepções erradas que levaram ao episódio do Bezerro de Ouro. Ironicamente, foi a extraordinária experiência espiritual no Monte Sinai o que lhes fez cometer esse erro crasso.
A Revelação Divina no Monte Sinai foi uma vivência única: por um momento, o Povo Judeu se elevou a tal altura espiritual que cada um dos judeus se tornou um profeta – e todos eles ouviram a comunicação direta de D’us. Imediatamente após, tudo desapareceu. Até mesmo Moshé, que subiu ao Monte Sinai, tinha desaparecido. Para ele, a Revelação Divina e os Dez Mandamentos foram seguidos, de imediato, por 40 dias e 40 noites de estudo ininterrupto da Torá; ele aprendeu a Torá diretamente com o Próprio D’us. Por outro lado, para o Povo Judeu, os Dez Mandamentos foram seguidos por um vácuo. Quando esse vácuo não foi preenchido com santidade, foi preenchido exatamente com o oposto: deterioração e profanação espiritual.
Não devemos ficar tão perplexos com o fato de que o pecado do Bezerro de Ouro tenha ocorrido apenas 40 dias após a Revelação no Sinai. Em retrospecto, foi uma reação natural à entrega da Torá. É o que ocorre, geralmente, quando alguém alcança a exaltação espiritual e depois vivencia um brusco desapontamento, quando tudo desaparece, subitamente. Muitos judeus que iniciam seu progresso espiritual no judaísmo geralmente vivenciam esse problema. Eles atingem certo nível de exaltação, como uma chama ardente: oram com grande intensidade e cumprem os mandamentos com tremenda paixão. Quando essa chama se extingue, algo inevitável, o vazio que permanece pode ser devastador. O vácuo – a sensação de vazio que se segue a tanta paixão – pode levar não apenas a uma regressão, mas até mesmo ao total abandono daquela jornada espiritual. Os pontos exageradamente elevados e edificantes na vida espiritual da pessoa podem ser muito perigosos, pois apresentam o perigo de uma séria queda – ao ponto que um judeu pode cair a um nível ainda mais baixo daquele em que se encontrava antes de iniciar sua ascensão espiritual. A maneira adequada de lidar com esse perigo é nunca tardar, mas iniciar imediatamente um processo que permitirá que a pessoa mantenha sua elevação espiritual.
Um exemplo é Yom Kipur – o dia em que D’us finalmente perdoou o Povo Judeu pelo pecado do Bezerro de Ouro. O Dia do Perdão deve ser o dia em que os judeus atingem grandes alturas espirituais. Nesse dia, devemos nos comportar como o fazem os anjos: não comemos, não bebemos e passamos o dia em oração. Tudo acerca de Yom Kipur transborda de energia espiritual. Na manhã desse dia, a passagem da Torá que é lida descreve o serviço que era realizado nesse dia pelo Cohen Gadol (o Sumo Sacerdote) no Templo Sagrado, em Jerusalém. Yom Kipur era o único dia em que um ser humano – o Sumo Sacerdote – podia entrar na câmara mais sagrada do Templo – o Kodesh HaKodashim – o Santo Santíssimo. A leitura da Torá na manhã de Yom Kipur serve para destacar a singularidade espiritual da data. E, contudo, estranhamente, durante a Minchá (o serviço vespertino), a passagem da Torá que é lida versa sobre a antítese da santidade: lemos o capítulo 18 do Livro de Levítico, que detalha as proibições contra o incesto e outros pecados sexuais.
Esse trecho da Torá da Minchá do dia de Kipur parece totalmente deslocado. Esse é o dia em que nos concentramos nas mais elevadas alturas espirituais a que um judeu pode ascender. Em Yom Kipur, cada um de nós é convocado a agir como se ele fosse o Sumo Sacerdote servindo no Templo Sagrado de Jerusalém. Como podem ser relevantes a tal data o incesto e outros comportamentos sexuais imorais? Em outras palavras, por que lemos sobre tais assuntos vis, justo no dia que personifica o máximo da espiritualidade? Nós o fazemos por uma boa razão: para nos fazer lembrar de que uma grande elevação espiritual pode ser seguida de um terrível colapso espiritual.
A leitura da Torá durante a Minchá de Yom Kipur nos transmite uma importante mensagem: é no momento de sua maior elevação espiritual que você é mais vulnerável. A Torá nos alerta: tenha cuidado, pois é exatamente quando você pensa que está no topo do mundo que você pode despencar às mais escuras profundezas.
Portanto, é importante que uma grande experiência espiritual não seja seguida por um vácuo. Uma conquista espiritual deve ser seguida por outra. Quando realizamos um ato de bondade, devemos esforçar-nos para realizar outro ainda maior. Quando terminamos de estudar um Tratado do Talmud, devemos iniciar outro de imediato, no mesmo dia. Pois é justamente nos momentos de ascensão que devemos envolver-nos em atividades que fomentem o crescimento espiritual, ainda que com o único propósito de evitar a criação de uma brecha para a entrada de uma deterioração espiritual.
O período entre a entrega da Torá e o retorno de Moshé durou apenas 40 dias, mas esse tempo foi o suficiente para que o Povo Judeu cometesse um erro deplorável. Mas, imaginemos que antes de ascender ao Monte Sinai, Moshé lhes tivesse ordenado começar a construir o Mishkan, o Tabernáculo. Se o tivesse feito, o povo teria estado ocupado construindo a Morada de D’us e não teria tido tempo nem interesse em erguer um bezerro de ouro. Ademais, todo o ouro que o povo entregou para fazer a estátua teria sido usado para o Tabernáculo, ou seja, para um propósito sagrado. Sua derrocada foi porque, logo após a Revelação Divina no Sinai, eles retomaram seu curso normal de vida, e essa transição – a queda de grandes Alturas espirituais para o cotidiano – levou-os a uma queda ainda maior: a construção e a adoração de um Bezerro de Ouro.
Épocas de transição espiritual são épocas de verdadeira provação – épocas de verdadeiro perigo espiritual. Portanto só há uma maneira de garantir que não cairemos: agir e seguir adiante. Como ensinou o grande Mestre Chassídico, Rabi Aharon de Karlin: “Quem não se eleva, degrada-se”.
A vida espiritual de um judeu deve ser um esforço constante para atingir alturas espirituais sempre mais elevadas. Não há lugar para a inércia, pois resultaria em derrocada espiritual. Portanto, ensina o Talmud que “os Tzadikim (os justos) não descansam – nem neste mundo nem no mundo vindouro”. Um Tzadik está sempre se alçando a alturas cada vez mais elevadas. E, como está escrito: “V’Ameich Kulam Tzadikim” - “E teu povo, serão todos Tzadikim” (Isaías 60:21), cabe a cada judeu nunca descansar, pelo contrário, “ir de força em força” (Salmos 84:8), em todos os aspectos, sejam eles materiais ou espirituais.
Bibliografia
Talks on the Parasha - Rabi Adin (Even Israel) Steinsaltz – Koren Publishers, Jerusalem
Why the Israelites Made a Calf – Rabi Lazer Gurkow
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