A odisséia dos marranos - Entrevista concedida por Hélio Daniel Cordeiro à Rádio CBN Publicado por Jayme Fucs Bar em 29 junho 2011 às 17:05 em SEFARAD - Resgate de uma História.
A odisséia dos marranos
segundo Hélio Daniel Cordeiro ROBERTO NONATO Entrevista concedida por Hélio Daniel Cordeiro à Rádio CBN - Central Brasileira de Notícia.
Desde quando você pesquisa sobre os marranos brasileiros?
Eu comecei a trabalhar esse tema a partir de 1990, dado ao insistente número de pessoas que me procuravam, fosse pessoalmente, ou através de cartas e telefonemas, buscando informações sobre suas possíveis origens judaicas.
Comecei a receber, também, regularmente, através do Consulado de Israel, Federação Israelita do Estado de São Paulo, Congregação Israelita Paulista e outras entidades judias, várias correspondências de todas as partes do Brasil, e até do Exterior, de pessoas buscando informações sobre genealogia, história e religião judaica.
Foi quando decidi aprimorar a divulgação do assunto, para oferecer respostas mais completas aos milhares de interessados que me contatavam.
Desde quando existem marranos no Brasil?
Isso tem pelo menos 500 anos. Tudo começou com a expulsão dos judeus da Espanha em 1492, antes ainda do Descobrimento do Brasil. 1492 é um ano que coincide (sem ser exatamente uma coincidência, por paradoxal que seja) com a Descoberta da América. O que se sabe hoje (e há muito ainda por ser desvendado) é a grande presença de pessoas de origem judaica na frota do descobridor Cristóvão Colombo e, posteriormente, na frota de Pedro Álvares Cabral.
Qual foi a participação dos judeus na Descoberta da América?
É evidente o fato da participação judaica, num primeiro plano, e de judaizantes (judeus ocultos), num segundo momento, que atuaram em campos da astronomia e no financiamento das expedições marítimas para o Novo Mundo.
O termo "marrano" ainda é usado?
Sim, o termo "marrano" ainda é usado até hoje. Há uma grande controvérsia sobre sua origem e significado. Eu em particular (juntamente com uma linha de pesquisadores), entendo que o termo "marrano" é originário da palavra hebraica anussim, ou seja, "conversos forçados". É exatamente o caso daqueles judeus que tiveram de abandonar o judaísmo, ao menos formalmente, e passar a aparentar uma vida pública como católicos.
Como você tomou contato com o rabino reformista Jacques Cukierkorn?
O rabino Jacques Cukierkorn é brasileiro, fez a faculdade rabínica nos Estados Unidos e ali vive e trabalha como líder espiritual de uma sinagoga.
Eu tenho contato com o Cukierkorn desde o início dos anos 90, justamente quando ele preparava uma dissertação rabínica nos Estados Unidos. Foi quando ele voltou ao Brasil para levantar informações para sua tese e solicitou minha ajuda para seu projeto.
Desde então, nosso intercâmbio é regular justamente pelo seu interesse no assunto e por eu estar inserido, vamos dizer assim, no campo fértil que é o Brasil, onde estão os marranos buscando descobrir suas raízes.
A que se deveu a recente visita do rabino Cukierkorn e do professor James Ross ao Brasil?
Como normalmente acontece, uma coisa leva à outra. Cukierkorn teve contato com este pesquisador estadunidense, James Ross, que foi contratado pela tradicional editora anglo-americana Penguin Books, justamente para levantar informações no Brasil para a edição de um livro sobre grupos judaicos ao redor do mundo, livro este que já está com o contrato assinado.
Ross e Cukierkorn passaram por São Paulo, ocasião em que lhes forneci uma série de informações de vivência pessoal e de arquivo sobre os marranos brasileiros. Eles depois seguiram para Recife, Natal e Manaus.
Qual foi a participação dos cristãos-novos na história do Brasil?
A participação dos cristãos-novos, ou judaizantes, foi muito importante em toda a história brasileira.
- O tradutor da frota de Cabral era um converso, Gaspar da Gama.
- Grande número de bandeirandes, aqueles corajosos desbravadores das selvas brasileiras, era constituída por elementos claramente cristãos-novos. João Ramalho fundou o primeiro município do Brasil, São Vicente, em 1532.
- O padre José de Anchieta, poeta e fundador da cidade de São Paulo (1554) era filho de mãe judia, logo, pela Halachá (o código das leis judaicas), pode ser também considerado judeu.
- Jorge Fernandes é considerado o primeiro médico a atuar no Brasil. Chegou junto com o segundo governador-geral, Duarte da Costa.
- No final do século XVI e início do XVII, um dos primeiros autores sobre as terras brasileiras foi Ambrósio Fernandes Brandão, cristão-novo autor da célebre Diálogos das Grandezas do Brasil (c.1618).
- Mais ou menos na mesma época apareceu outro poeta marrano, Bento Teixeira, autor da clássica Prosopopéia.
- Diogo Fernandes foi o maior técnico em cana-de-açúcar do período colonial.
- A segunda metade do século XVII viu aparecer em Recife a primeira comunidade judaica organizada do Novo Mundo, sob a liderança religiosa do rabino Isaac Aboab da Fonseca.
- Estou inclinado a crer (e há outros estudiosos também) que o padre Antônio Vieira era de origem cristã-nova.
- No século XVIII viveu no Rio de Janeiro o primeiro dramaturgo brasileiro, Antônio José da Silva, queimado pela Inquisição em Lisboa por práticas judaizantes. Sua vida foi tema do premiado filme de Jom Tob Azulay, O Judeu.
- No final do século XIX outra figura importante de origem marrana foi Deodoro da Fonseca, o presidente que inaugurou a República no País.
- No século XX, são conhecidas as origens e afinidades marrânicas do cineasta Glauber Rocha, do pedagogo Anísio Teixeira, dos cantores Elis Regina e Alceu Valença, dentre outras figuras artísticas e públicas.
Além de origem genealógica judaica, todas estas pessoas vão além porque existe nelas uma identidade de mentalidade, com aspectos miscigenados de judaísmo, catolicismo, protestantismo e agnosticismo.
Como tem sido a divulgação destas pesquisas?
O interesse pelo tema dos judeus na formação do Brasil tende a crescer de uma forma mais intensa nos próximos anos, em virtude das comemorações dos 500 anos do Descobrimento.
Ainda existe muita coisa por ser pesquisada, mas já recolhi bastante material inédito, que está sendo trabalhado e que será divulgado ao grande público brevemente, não apenas à sociedade brasileira, mas para pesquisadores de todo o mundo.
Copyright © Revista JUDAICA. Todos os direitos reservados.
segundo Hélio Daniel Cordeiro ROBERTO NONATO Entrevista concedida por Hélio Daniel Cordeiro à Rádio CBN - Central Brasileira de Notícia.
Desde quando você pesquisa sobre os marranos brasileiros?
Eu comecei a trabalhar esse tema a partir de 1990, dado ao insistente número de pessoas que me procuravam, fosse pessoalmente, ou através de cartas e telefonemas, buscando informações sobre suas possíveis origens judaicas.
Comecei a receber, também, regularmente, através do Consulado de Israel, Federação Israelita do Estado de São Paulo, Congregação Israelita Paulista e outras entidades judias, várias correspondências de todas as partes do Brasil, e até do Exterior, de pessoas buscando informações sobre genealogia, história e religião judaica.
Foi quando decidi aprimorar a divulgação do assunto, para oferecer respostas mais completas aos milhares de interessados que me contatavam.
Desde quando existem marranos no Brasil?
Isso tem pelo menos 500 anos. Tudo começou com a expulsão dos judeus da Espanha em 1492, antes ainda do Descobrimento do Brasil. 1492 é um ano que coincide (sem ser exatamente uma coincidência, por paradoxal que seja) com a Descoberta da América. O que se sabe hoje (e há muito ainda por ser desvendado) é a grande presença de pessoas de origem judaica na frota do descobridor Cristóvão Colombo e, posteriormente, na frota de Pedro Álvares Cabral.
Qual foi a participação dos judeus na Descoberta da América?
É evidente o fato da participação judaica, num primeiro plano, e de judaizantes (judeus ocultos), num segundo momento, que atuaram em campos da astronomia e no financiamento das expedições marítimas para o Novo Mundo.
O termo "marrano" ainda é usado?
Sim, o termo "marrano" ainda é usado até hoje. Há uma grande controvérsia sobre sua origem e significado. Eu em particular (juntamente com uma linha de pesquisadores), entendo que o termo "marrano" é originário da palavra hebraica anussim, ou seja, "conversos forçados". É exatamente o caso daqueles judeus que tiveram de abandonar o judaísmo, ao menos formalmente, e passar a aparentar uma vida pública como católicos.
Como você tomou contato com o rabino reformista Jacques Cukierkorn?
O rabino Jacques Cukierkorn é brasileiro, fez a faculdade rabínica nos Estados Unidos e ali vive e trabalha como líder espiritual de uma sinagoga.
Eu tenho contato com o Cukierkorn desde o início dos anos 90, justamente quando ele preparava uma dissertação rabínica nos Estados Unidos. Foi quando ele voltou ao Brasil para levantar informações para sua tese e solicitou minha ajuda para seu projeto.
Desde então, nosso intercâmbio é regular justamente pelo seu interesse no assunto e por eu estar inserido, vamos dizer assim, no campo fértil que é o Brasil, onde estão os marranos buscando descobrir suas raízes.
A que se deveu a recente visita do rabino Cukierkorn e do professor James Ross ao Brasil?
Como normalmente acontece, uma coisa leva à outra. Cukierkorn teve contato com este pesquisador estadunidense, James Ross, que foi contratado pela tradicional editora anglo-americana Penguin Books, justamente para levantar informações no Brasil para a edição de um livro sobre grupos judaicos ao redor do mundo, livro este que já está com o contrato assinado.
Ross e Cukierkorn passaram por São Paulo, ocasião em que lhes forneci uma série de informações de vivência pessoal e de arquivo sobre os marranos brasileiros. Eles depois seguiram para Recife, Natal e Manaus.
Qual foi a participação dos cristãos-novos na história do Brasil?
A participação dos cristãos-novos, ou judaizantes, foi muito importante em toda a história brasileira.
- O tradutor da frota de Cabral era um converso, Gaspar da Gama.
- Grande número de bandeirandes, aqueles corajosos desbravadores das selvas brasileiras, era constituída por elementos claramente cristãos-novos. João Ramalho fundou o primeiro município do Brasil, São Vicente, em 1532.
- O padre José de Anchieta, poeta e fundador da cidade de São Paulo (1554) era filho de mãe judia, logo, pela Halachá (o código das leis judaicas), pode ser também considerado judeu.
- Jorge Fernandes é considerado o primeiro médico a atuar no Brasil. Chegou junto com o segundo governador-geral, Duarte da Costa.
- No final do século XVI e início do XVII, um dos primeiros autores sobre as terras brasileiras foi Ambrósio Fernandes Brandão, cristão-novo autor da célebre Diálogos das Grandezas do Brasil (c.1618).
- Mais ou menos na mesma época apareceu outro poeta marrano, Bento Teixeira, autor da clássica Prosopopéia.
- Diogo Fernandes foi o maior técnico em cana-de-açúcar do período colonial.
- A segunda metade do século XVII viu aparecer em Recife a primeira comunidade judaica organizada do Novo Mundo, sob a liderança religiosa do rabino Isaac Aboab da Fonseca.
- Estou inclinado a crer (e há outros estudiosos também) que o padre Antônio Vieira era de origem cristã-nova.
- No século XVIII viveu no Rio de Janeiro o primeiro dramaturgo brasileiro, Antônio José da Silva, queimado pela Inquisição em Lisboa por práticas judaizantes. Sua vida foi tema do premiado filme de Jom Tob Azulay, O Judeu.
- No final do século XIX outra figura importante de origem marrana foi Deodoro da Fonseca, o presidente que inaugurou a República no País.
- No século XX, são conhecidas as origens e afinidades marrânicas do cineasta Glauber Rocha, do pedagogo Anísio Teixeira, dos cantores Elis Regina e Alceu Valença, dentre outras figuras artísticas e públicas.
Além de origem genealógica judaica, todas estas pessoas vão além porque existe nelas uma identidade de mentalidade, com aspectos miscigenados de judaísmo, catolicismo, protestantismo e agnosticismo.
Como tem sido a divulgação destas pesquisas?
O interesse pelo tema dos judeus na formação do Brasil tende a crescer de uma forma mais intensa nos próximos anos, em virtude das comemorações dos 500 anos do Descobrimento.
Ainda existe muita coisa por ser pesquisada, mas já recolhi bastante material inédito, que está sendo trabalhado e que será divulgado ao grande público brevemente, não apenas à sociedade brasileira, mas para pesquisadores de todo o mundo.
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